quarta-feira, 31 de março de 2010

O ELEITO





Humanos/desumanos:

Levei os meus lulus da Pomerânia, Vitty y Liggo para o costumeiro passeio matinal, às sextas feiras nas imediações de meu bairro, onde ainda (até quando?) existe uma área verde, pequena e cercada de prédios. Às terças feiras é a vez dos meus gatos da raça Chartreux, uns amores, chamados carinhosamente (mas de um mau gosto extremo, nomes estes, dados por tia Vyborah, ex - dona, que me presenteou) de Catarro e Escarro.
Vitty y Liggo adoram e ficam por demais excitados, quando eu lhes perguntei em espanhol: -“Si quieren salir...”.
E, saímos: eu com um short branco, contrastando com minhas bronzeadas pernas, belas e torneadas, uma blusa básica tipo tomara que caia e sandálias baixas de couro cru, cabelos ao vento da manhã, sem nenhuma pintura no rosto primaveril. Óculos escuros e boné ouro velho, presente de tio Leibowyczwy (aquele mesmo do post Silencio, frio, escuridão, leiam). Claro, voluptuosamente atraente e com aquele frescor feminino,que são as minhas características, fui perseguida por olhares tarados masculinos que caminhavam a esta hora no parque. Eram poucos. Se fossem só tarados... Mas como são também burros, fica impossível!...
Chegamos ao parque. Vitty y Liggo pulavam de alegria, rabos balançando, uma felicidade. Pouquíssimas pessoas no parque, o que me fazia bem, pois breve estaria repleto de humanos que com suas mazelas, tirariam certamente a paz daquele oásis, em vias de extinção.
Sentei-me num banco duro de madeira e recostei-me no mesmo. Como é bom, para o corpo, um banco duro! Vitty y Liggo brincavam nas imediações, aproveitando o espaço e a liberdade.
No banco, pude perceber a presença de um senhor . Usava grandes óculos escuros e chapéu, não dando para perceber claramente suas feições. Parecia esconder-se. Mirou-me e com um sorriso algo triste, cumprimentou-me, oque respondi. Ele aproximou-se e iniciou-se o diálogo:- “Belos animais.” Agradeci. “-Gostaria de ser um deles,” murmurou. “-Não entendi” (pensei em voz alta).
E, o homem começou a contar sua triste sina, como se desabafando:- “Veja bem a senhora a minha situação: Sou um derrotado nas urnas! O povo não sabe votar. Eu, que dei tudo de mim, para o bem estar da coletividade.
Lutei muito até chegar aqui. Muito jovem, fui voluntário durante muito tempo numa comunidade de fé, e expulsaram-me (injustamente, creio eu), pela falta das verba, que ia sumindo, sumindo, das conta da congregação. Essas verba eram para os desfavorecido pela sorte. Eu era o tesoureiro.
Depois, com a popularidade, naquele meio religioso, reconheceram o meu valor e fui eleito representante do povo, com maciça e expressiva votação. Aí, empreguei familiare e amigo (dei emprego! renda! entende?) em meu gabinete. Está certo que não fiz muita coisa pelo social (saúde e educação), mas nome de logradouro público, parada de coletivo e indicação para diproma e medalha, era comigo mermo!
Onde tinha festividade, lá eu ia prestigiar. Claro, presidi a Comissão de Finança e anos depois, descobriram um rombo na mesma, injustamente. Não provaram nada, certamente foi obra da oposição invejosa com o meu sucesso com o povo.”.
Fez-se um silencio. Suas confissões pareciam um discurso e eu era a sua solitária platéia. Não sabia o motivo (ou talvez soubesse), eu não conseguia encara-lo de frente, olhava para os meus cães e de perfil o ouvia.
Ele retomou: - “Foi então que esse povo, por quem eu dei tudo e nada pedia em troca, desgraçadamente, traiu-me! Fiquei no poder muitos ano, será que por ter colocado e inaugurado praca de rua, enviando pipa de água, praca para festividade, prestigiado o esporte a cutura, etc. E, qual foi a resposta do povo: nas eleição, perdi por mísero 69 votos! Injusto, mal agradecido e ingrato povo! Logo eu, que freqüentava as comunidade carente, só em véspera de eleição, que prometia (embora não cumprisse, pois não dependia de mim!) a felicidade. E, a felicidade, para eles, minha senhora, só Deus, e eu não sou Deus (embora parecesse!). Outra coisa, (e, ficando de pé, disparou):-“ Aos amigo tudo, aos inimigo, a lei!”Dizia esta frase como se fosse o mais importante e definitivo legado cultural de sua existência. E, prosseguia colérico:
“-Agora, fico restrito a quatro aposentadoria (eu acho pouco pelo duro que eu dei!) que graças a Deus, dá para ir levando. Eram quatro emprego e como poderia estar nos quatro ao mesmo tempo? Impossível, entende?... Estou muito triste, tenho renda, mas não tenho o poder, entende? Estou em negociação com o meu suplente, um esquema bem planejado, mas nada certo ainda, nada certo ainda, para a volta de minha vitoriosa carreira,degrau por degrau, voto a voto... quem sabe até a presidente...uma bocada!... O que a senhora achou disto tudo? Não mereço uma segunda chance, hein...?” Percebi claramente, que o meu “nobre” orador, desconhecia completamente o plural das palavras, concordância verbal e nominal!
O seu cinismo era incomensurável!
Fez a pergunta, tirando o chapéu e os óculos escuros. Eu não o encarei. Procurei por Vitty y Liggo, que terminavam de fazer as suas necessidades. Levantei-me, sem me despedir ou olhar para aquele homem, guardei no saco plástico as sujeiras caninas e ao passar por aquele infeliz, sem olhá-lo, deu-me vontade de jogar em cima dele o que tinha às mãos. Sorte dele. Sou uma mulher fina. Maior sorte, que não eram os meus gatos franceses Catarro e Escarro de raça Chartreux, pois o odor é insuportável..
Foi um caso raro: o contador de história ter sido outro, e eu, no papel de desventurada ouvinte.
Cheguei à minha mansão estilo normando e fui direto para a minha banheira semi-olímpica egípcia. Acalmei-me com sais paquistaneses e óleos tailandeses, ouvindo O Moldava de Smetana.

f.a.