quarta-feira, 21 de abril de 2010

O FERIADÃO






Humanos/desumanos:


Estava eu em minha mansão estilo Normando, na sala com odor de carvalho canadense, lendo Erasmo de Rotterdam, ouvindo Chopin, o prelúdio no. 15,quando escuto gritos provenientes do exterior, que me tiraram deste oásis de quietude e beleza. A minha eterna governanta Goldawasser, bate com leveza á porta e anuncia: -“Senhora, o pessoal da TV chegou. Estão na sala de reuniões da casa.”.

De fato eu não tinha esquecido. Olhei o relógio de pendulo, de mármore de Carrara, com ponteiros banhados a ouro e vi que havia um atraso de 19 minutos, compreensível com a cultura vigente.

Desci as escadas de granito esloveno rosa escovado. Tinha me preparado para aquela ocasião, coloquei um básico, sandálias de couros crus, maquiagem simples, algum blush, baton na cor carmesim, cabelos soltos.

Entrei na sala, cumprimentei á equipe, que formada em sua maioria de homens, extasiada com a minha presença, fazendo um silencio tumular. Sentei-me e ao cruzar minhas belas pernas, tive a sensação de ser devorada por lobos famintos, que salivavam... Solicitei que diminuíssem a luz face ao calor reinante. Não fui atendida. Pediram-me que olhasse pouco para as câmeras e piscasse o mínimo necessário. Alguém gritou: -"Luz! Câmera! Ação!"

E, comecei á narrativa, fato este ocorrido com o meu primo Alihenatus, quando reuniu á família,para passar o feriadão na praia:

-“Alihenatus, nunca deixou para trás qualquer novidade. Seja ela de origem das mais diversas. Ele consumia tudo, sem pestanejar. Considerava-se assim, estar in nas novidades, que eram muitíssimas, visto a dinâmica dos meios de comunicação. Ele não ficava nunca out das coisas que o cercavam e o consumiam. Era uma grife ambulante, da cabeça aos pés. E, não seria nestes dias de feriados, que ele, sua sempre risonha mulher Neganadah, seu filho único Alihenatus Jr. ( grifinho para os amigos da escola) deixariam passar em branco o feriadão na praia, um belo distrito isolado, de um Município famoso. -“ O place é acanhado, mas tem de tudo, é fashion”, afirmava, enquanto estourava no ar, pela boca, uma bola de chicletes importado.-"O Tom Jobim dizia que o melhor da viagem é quando todos retornam."... -"Mas assim não tem graça, devemos ir com todos!"...enfatizava, como dono da verdade fosse...

Retirou o carro da moda da garagem, colocando um CD e pôs-se a ouvir uma espécie de rap, de gosto duvidoso, que àquela hora da manhã (seis horas), acordou certamente a vizinhança, machucando ouvidos mais sensíveis. As batidas de marcação do som, pareciam canhões enfurecidos numa guerra imaginária,onde os tímpanos eram as casamatas...”

A pequena e importante platéia, ouvia atentamente e começava a sorrir atrás das câmaras.

-“Ao abrir á porta do veículo, viu entrar, taciturna, sua sogra Mhegherah, dois amiguinhos de Alihenatus Jr. (os gêmeos vizinhos Pen e Telho). Neganadah vinha com Devasso, velho papagaio de estimação, só aprendia e falava obscenidades, numa mão, na outra um felino de tão feio que era, tornava-se diferente, o gato Tirasono, quando fazia sexo, em cima do telhado , o bairro ficava sem dormir até a manhã seguinte. O cão Adão, ficou com uma vizinha, pois a moderna viatura não comportava tanto.”.

Os risos já aumentavam, já eram gargalhadas. Eu mantinha o clima frio e distante, o que dava, acho eu, mais graça aquela surreal narrativa. Continuei:

“-Após colocarem víveres, isopores de gelo, roupas, malas, alimentos para os animais (Devasso e Tirasono, que se detestavam!), bicicletas, aparelhos de academia (Alihenatus e Neganadah freqüentavam a da “onda”), colchonetes ortopédicos, partiram.

Alihenatus Jr. pediu para abaixar o som (ainda altíssimo), pois queria brincar com seus inúmeros aparelhos eletrônicos importados , no que foi atendido. Mhegherah cochilava. E, só foi acordar horas depois. Depois de um engarrafamento monstro. O carro não andava e Alihenatus e família estavam no meio da ponte, no vão central. O calor era sufocante. A moderna viatura apresentava falha na refrigeração. No que Mhegherah abriu inadvertidamente o vidro do carro, após um odor característico de flatulência ter tomado o ambiente, o horripilante gato Tirasono, se atira, desesperado para o exterior. No que, o papagaio Devasso dispara:- “pqp!! pqp!!” E só pára de se manifestar, quando Alihenatus Jr.( grifinho) lhe dá um tapa que o joga longe, no fundo do carro.

Horas depois, eles re-iniciam, vagarosamente, a jornada.

Agora, estão parados e o sol a pino é inclemente. O ar do carro parou de vez. Cheiros de alimentos começam a ser sentidos. As portas são abertas e Megherah que parecia dormir, caiu para fora. Teve um mal súbito, mas recuperou-se. Começaram a se desfazer dos alimentos. E, viram que Pen, irmão do Telho tinha sumido!!

Apesar da procura, o papagaio Devasso, achava-se em lugar incerto e sem paradeiro. O mesmo para o gato “suicida”Tirasono. Neganadah começou a vomitar, chamando o “Raul”, inúmeras vezes. O clima é desesperador.

Instantes depois encontraram Pen (estava no acostamento da estrada, bebendo água), para alegria do irmão Telho.”.

Talvez a coincidência dos fatos relatatados provocasse tanto riso na ávida platéia.Uns pediram para ir ao banheiro. Aguardei e reiniciei:

“-Finalmente, após 12 horas de viagem, chegaram.

Neganadah, recuperada (em termos) e mais magra, começa a ajeitar a casa, cujas paredes, estavam decoradas... com mosquitos!...E, para culminar, não tinha água, dada à multidão que procurou o lugar da moda... Precisavam de um banho, é claro, e foram ao mar que era próximo.

O banho deu-lhes força... para voltar!

Esta foi a melhor solução, pois com tantos problemas, este seria o mais sensato e a estrada estaria mais livre. Voltaram com aquela areia coçando e irritando as partes mais sensíveis do corpo...

Alienathus, sem esconder alegria, dizia e repetia: -"pelo menos foram ao local que estava bombando no pedaço..."jactava-se.

Chegaram de madrugada. Neganadah, só ela, retira o que sobrou na viatura. E, exaustos entregam-se aos braços de Morfeu...

Eis que, momentos depois, o silêncio é cortado por uma voz conhecida:-" Feri Adão! –Feri Adão!" Sim, Devasso estava salvo e vivo! Não se sabe se estava se referindo de maneira provocativa ao cão Adão( que tinha ficado) ou a de maneira irônica ao infeliz convescote... Outro ruído, este sim, de arrepiar, foi o do sexo entre gatos, no telhado ,já conhecido pelo bairro. Tirasono tinha sobrevivido e estava em forma!!...O cansaço era tanto que não se deram ao trabalho de ir ver. Dormiram felizes pelas notícias sonoras. Os mistérios de como os bichanos se salvaram nunca saberão, quem sabe, até o dia que Alienathus comprar ( em 120 prestações, já estava nos planos... ”!) uma engenhoca importada,que era a sensação do momento, apresentada na sua TV de 60 polegadas, que desvenda o passado e prevê o futuro...”.


Fui aplaudida pela simpática equipe. Pedi a minha governanta Goldawasser que servisse para todos um chá paquistanês, com bicoitinhos vienenses.

Agradeci e retirei-me para os meus aposentos onde Noturnos de Chopin me aguardavam.

f.a.