segunda-feira, 6 de setembro de 2010

FUMANTES






Humanos/desumanos:


Uma das pragas humanas é o tabagismo. Além de provocar doenças (descritas em prosa e verso!) terríveis e, diga-se de passagem: os próprios fumantes sabem! aqueles que não fumam, são obrigados a suportar este vício maldito, sentando próximo ao futuro cadáver...

Um conhecido, o Marijuanno Fumaça(coincidência!), querido e chamado pelos alunos de Fumaça, professor de química, afirmava categórico, que fumar cannabis sativa era mais saudável que fumar cigarros, pois enquanto aquele era um “mato fedido”da natureza, este era fabricado em laboratório industrial, sem nenhum contato com a natureza. Fumaça tentou defender esta tese e dos benefícios da dita cuja(“ anestésicos, calmante, fins medicinais, científicos, industriais, etc.”.) em uma Universidade, sendo proibido. Morreu jovem e triste, de enfisema pulmonar.


Eis que, recebi a visita de um primo médico.

Gorgias. Stanislaw Vollodiah Gorgias, para os íntimos Lallaugogó. Ele veio do Nepal, para ficar duas semanas. Conhecer as belezas deste país tropical.

No terceiro dia, fora assaltado duas vezes! Passeando pela madrugada( comum em sua terra), para sentir a brisa do mar.

Primo Gorgias(Lallaugogó) sentiu foi uma espetada de um cano de revólver, chamado carinhosamente aqui de ‘berro’... E, foi entregando tudo!

Ele contou que da segunda vez( e, última!) além de entregar todos os documentos, dinheiro, roupas, meias e tênis, fez “amizade” com o meliante, convidando-o, despido que estava, a visitar seu país, dando endereços, etc. para que o mesmo tivesse toda a segurança em um país estranho... Não achei inusitada tal atitude de primo Gorgias ( Lallaugogó), pois o mesmo pregava a divisão dos bens, o amor entre os homens, a fraternidade.

Quando ótimo estudante de medicina, trabalhava como provador, degustando cafés. Pagou todo o seu curso com este trabalho. Ganhava muito bem. Dizem que o primo Gorgias( Lallaugogó) tem um sentido gustativo e olfativo superior, raro entre os humanos. Não à toa tivesse tido inúmeras namoradas( sem se fixar em nenhuma!), que disputavam aos tapas estas qualidades!... Eu mesma fui uma delas!... Primo Gorgias, revoltado com o sistema econômico vigente, acossado por mulheres ávidas por seus atributos, testemunha de muitas injustiças sociais, etc.isolou-se do mundo. Após uma temporada no Hospital Psiquiátrico, onde de paciente, passou a médico, dado seu notável conhecimento científico, recebeu alta, foi homenageado e rumou para as montanhas do Tibet.

Recebi primo Gorgias(Lallaugogó) em minha mansão estilo normando e dei-lhe o quarto de hóspedes, com banheira semi olímpica egípcia e todos os confortos. Nosso relacionamento era fraterno e muito respeitoso, apesar de um passado tórrido e fugaz. Ele se comportava de uma maneira discreta e educada, parecendo um monge budista. Falava pouco. Era realmente, o filho primogênito de tio Leybowyczwy (leiam: Silencio frio e escuridão!). Tamanho o respeito, que primo Gorgias(Lallaugogó) calçava seus pares de meias, trancado em seu closet!


Passados alguns dias, recebemos um convite irrecusável: Meias de Renda ( assim chamada por ter belíssimas pernas e usar meias de renda, negras, que causavam uma revolução quando as usava: os homens enlouqueciam, assim como seu eterno noivo, que bebia e cantarolava gemendo um infindável tango, para esquecer...) nos convidava para uma peixada em sua mansão. Meias de Renda, era o que se comentava maldosamente,(sem provas, como boato) também teve um breve caso no passado, com primo Gorgias(Lallaugogó) e agora, eram somente bons e respeitosos amigos.

Fomos.

Vesti um básico preto, calcei sandálias plataforma na cor dourada, maquiagem básica, cabelos soltos. Estava mais uma vez deslumbrante. Primo Gorgias, como sempre, discreto: não gosta de usar bermudas, apesar do calor senegalês reinante. Nossa refrigerada limusine presidencial azul profundo nos levou até ao destino, com o motorista paquistanês de luvas brancas, abrindo a porta da viatura , para que saíssemos. Senti que primo Gorgias estava se sentindo incomodado com tanto “conforto capitalista”, como dizia.

Ao entrar na sala, em penumbra( parte fechada e parte pela fumaça de cigarro), Meias de Renda, nos apresentou à Senhora sua mãe, que sentada numa cadeira de balanço, de costas, vestida toda de um preto tumular, lembrou-me o filme Psicose.

Esta nos cumprimentou balançando a cabeça. Não disse e não soube nunca seu nome. Em sua mão pude observar um copo de cerveja. Na outra um cigarro.

As janelas foram abertas para que oxigênio entrasse e tornasse o ar respirável. A senhora retirou-se discretamente.

Conversamos muito e matamos as saudades que eram intensas.

Eis que é chegada a hora do almoço. A senhora entra no recinto, com um copo na mão e o outro um cigarro. Falou e se serviu também pouco.

A peixada estava fantástica!

Meias de Renda disse que fora feita por sua mãe. Eu a parabenizei e ela agradeceu discretamente com a cabeça. Não parava de fumar e a sala foi tornando-se azulada pela fumaça. “Pensei:- Como repetir estas iguarias com este odor?”

Num gesto transloucado e num momento que a senhora se retirou para pegar mais cerveja, peguei o maço de cigarros e escondi.

Ao voltar, agora com mais cerveja, a senhora, num misto de espanto e dúvida, falou pela primeira vez:- “Oi, onde foi parar os meus cigarros?...” E, começou a ficar irritada. Observando que não tinha mais saída, peguei o maço debaixo da mesa, desculpando-me.

O almoço transcorreu calmamente. Foram servidas sobremesas divinas. A conversa fluía. A senhora não estava mais na sala. O café fora servido. Conversou-se mais um pouco e chegou à hora de partir. A noite começava a cair.

Nas despedidas, Meias de Renda me sussurrou ao ouvido: “- Mamãe quer se despedir de vc. Na cozinha.”

Ao ouvir isto, primo Gorgias( Lallaugogó) saiu da sala e desceu as escadas em desabalada carreira. Só vi sua vasta esvoaçante cabeleira perder-se de vista. E, sumiu..

Meias de Renda acompanhou-me até a cozinha, onde a senhora com um copo na mão, trôpega e trêfega disparou: -“Se meu marido estivesse vivo a senhora não sairia daqui viva!... viva!...Entendeu?... Entendeu?...”.

-“Entendi e só me resta pedir-lhe perdão?”... No que ela retomou à carga:- “Sorte sua! Sorte sua! Se ele estivesse vivo, a senhora não estaria viva!...”.,

Num segundo gesto transloucado, retirei delicadamente as sandálias plataforma e ajoelhei-me a seus pés, clamando por perdão!

Meias de Renda, mesmo psicóloga, não acreditava o que estava presenciando e beliscou-se, para ter certeza que não estava sonhando.

A senhora mãe diz:-“ Desta vez passa... mas a senhora quando for aos próximos almoços, indague se os donos da casa fumam... entendido?... entendido?...e, repetia sem parar, baixinho.

“-Sim, balbuciei...”

Calcei as sandálias plataforma e Meias de Renda acompanhou-me gentilmente. Descemos as escadas em silencio. Despedi-me.

A refrigerada limusine azul profundo estava á minha espera com a porta de trás aberta pelo motorista paquistanês.

Primo Gorgias ( Lallaugogó)tinha desaparecido, como que por encanto.

Banhei-me em minha semi olímpica egípcia com sais tailandeses, enquanto baforava ( solitariamente, é bem que se diga!) um cubano autografado pelo eternizado no poder, rindo daquele fenômeno ocorrido.


Dias depois, recebi uma missiva de primo Gorgias( Lallaugogó),agradecendo e desculpando-se de ter ido embora( tinha ido com a roupa do corpo, direto para o aeroporto!), ficado tão somente 05 dias. Pediu-me que mandasse os seus pertences. Assim foi feito.

Dizia a carta, que ele agora se encontrava no Sirilanka. Dando supervisão e aulas na Universidade local, com ênfase em tabagismo e alcoolismo no horário diurno e à noite fazia o que mais sabia e mais gostava de fazer: provador de cigarros e bebidas destiladas de uma multinacional.


f.a.