terça-feira, 3 de novembro de 2009

PASSEATA ALEGRE



Humanos/desumanos:
Meus incontáveis e fiéis leitores pediram-me para narrar a minha participação na Passeata Gay.
Foi quase inenarrável de tão prazerosa. Convidada, não poderia deixar de ir, para prestigiar este momento de pura e contagiante alegria. Meu tio Zumbyvivoh, ligou-me, pediu-me,implorou-me, ordenou-me até que eu não fosse a este tipo de passeata, pois além de ser um atentado á moral e aos bons costumes, ia me levar para o mau caminho, para a perdição. Enfatizou cheio de cólera.
O tio Zumbyvivoh é presidente honorário da GAY (Grupo Anti Yin-yang), vereador há 10 anos, eleito, é claro, pelos seus simpatizantes. Era a última reserva moral da cidade, como se auto proclamava solenemente.
Mas enfim, coloquei aquela roupa, guardada para estas ocasiões festivas: um collant inteiriço dourado, onde sobressaiam as minhas generosas formas e curvas, que as obtive graças a um feliz encontro (leiam A Primeira Vez). Um salto plataforma também dourado, flores naturais do campo com as cores do arco íris em volta da cabeça, uma pintura básica no meu angelical rosto, com destaque para os lábios carnudos, onde o carmesim acentuou. Tomei um banho de sais afrodisíacos persa em minha hidro banheira semi-olímpica. Perfumei-me com perfumes belgas. Tudo isto sob um sorriso muito branco, sincero e angelical. Fomos.
Eu, sendo conduzida pelo fiel motorista indiano Neruscah di Petibiribah (Nenê, para os íntimos) em nossa limusine azul profundo.
No caminho fiquei pensando:- “.. que turma feliz estes gays!!... são trabalhadores, competentes no que fazem, em sua grande maioria, não agridem ninguém (e, são agredidos!), fiéis amigos, inteligentes, alguns cultos, e, porque esta discriminação?
Já dizia minha tia Bella Mambah, rindo: “–Prazer não tem lugar!...”.
Lembro-me bem, quando cantora de blues (leiam Humanos/desumanos na lua),a família, os vizinhos, quase todos acionaram o preconceito. Escutei maledicências, injustas e descabidas. Ainda bem, que tinha me retirado daquele convívio, antes de iniciar a minha vitoriosa carreira de stripper (mas, isto é assunto para o futuro).
O meu fiel motorista indiano Neruscah di Petibiribah (Nenê para os íntimos) abriu a porta de trás da limusine azul profundo. Saltei e ao me afastar do carro, para procurar o local que seria ocupado por mim, notei um olhar de encantamento entre os presentes. Uma pequena multidão me acompanhava.
Não era para menos: uma mulher belíssima, longilínea, de tez morena, lânguido olhar verde e sedutor, nariz perfeito, dentes como espigas de milho, que brilhavam ao sol, cabelos castanhos lisos ao vento, aqueles dois punhais apontando para o firmamento, nenhuma barriga, coxas roliças e longas, panturrilhas firmes, nádegas idem, e os pés: verdadeiros fetiches. Eu estava uma deusa, modéstia á parte...
Á todos eu acenava, agradecendo a euforia que minha presença despertava.
No trajeto, recebi várias propostas de casamento: Um dinamarquês me dava metade do seu próspero negócio de sexo ao vivo (na capital Copenhague), um norueguês me oferecia à metade de sua fábrica de arenque/ bacalhau (dizendo ser a maior de Oslo), um americano entrava com a metade de uma cadeia de hambúrgueres no Texas, um francês dava toda a fábrica de perfumes nos arredores de Paris, e por aí eles iam me oferecendo... Em troca do casamento!... Mantive firme em minhas convicções (leiam O Casamento), e mesmo porque eu não queria e não podia enganá-los!... Não tinha este direito.
Subi no carro abre alas, onde fui um (a) dos destaques.
E, pude sentir a alegria, a pureza da festa, onde o calor humano, o suor ia sendo refrescado por uma chuva fina que foi muito bem vinda.
Fui ovacionada pela multidão. Agradecia comovida. Por onde ia passando pétalas de flores iam marcando o trajeto. Um perfume absolutamente leve dominava o ar. A liberdade era plena e o prazer de ser livre, fazia a diferença.
Gostaria que aqueles que maldizem a passeata estivessem também ali, para sentir o que eu estava sentindo. Enfim um clima de perfeita harmonia entre humanos/desumanos que tem todo o direito de extravasar a sua alegria. E, emocionada chorei. Misturei lágrimas de alegria e emoção com o suor e pingos de chuva, a natureza estava completa...
Súbito, alguém me chama. Olhei para baixo e vi (com os olhos que a terra há de comer) o meu tio Zumbyvivoh... Vestido de Carmen Miranda!!...
Com todos os apetrechos, balangandãs, frutas na cabeça e que maquiagem perfeita!...
Cumprimentamo-nos de longe, ele com todos os trejeitos da pequena notável... A multidão delirava com o tio Zumbyvivoh e seus requebros sensuais... Afinal tinha quase 90 anos... Lembrei-me de tia Bella Mambah, sua esposa, procurei-a e não a vi.
O carro abre alas já chegara ao fim da passeata. A chuva dava uma trégua.
Soltei do mesmo e uma multidão me seguia gritava o meu nome, numa euforia imensa.
Despedi-me com uma ponta de tristeza dos conhecidos. O meu fiel motorista indiano Neruscah di Pitibiribah (Nenê para os íntimos) me aguardava, com a porta aberta, de trás, da limusine azul profundo.
Entrei no carro e entreguei-me rapidamente aos braços de Morfeu, embalada pelo balanço e pelo ar refrigerado.
Tomei um demorado banho de sais orientais, na banheira semi olímpica. Acendi um incenso do Himalaia. Fui dormir na minha cama egípcia faraônica.
Acordei alegre com o sol radiante.
f.a.