quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

BOAS FESTAS






Humanos/desumanos:


Meu enorme e variadíssimo público de leitores solicitou-me para escrever sobre o NATAL e o ANO NOVO.

Lembrei-me de dois fatos marcantes, ocorridos há anos atrás. Estava com a família, na serra (como é bom o frio ...leiam Silêncio, frio e escuridão), em pleno Natal. Eis que, meu marido Norival (Nori, para os íntimos) em plena farta e rica ceia de Natal, talvez movido pela bebida (já dizia o maior dramaturgo do Ocidente:- “O bêbado não mente!”) e pela emoção do momento, levanta-se e dispara:- Meus amigos:-“ O verdadeiro espírito de Natal seria chamarmos os serviçais deste hotel e os servirmos à mesa.. O que acham?...”.

Sob o olhar patético do dono do hotel e dos demais hóspedes, pois o hotel achava-se lotado, fez-se por instantes um silêncio mortal.

Deu-me a impressão que o peru, o leitão, o faisão, mexeram-se na mesa, virando-se para o autor da idéia. As frutas, que eram inúmeras e raras também balançaram. Nossas filhas Fran e Stal estavam já debaixo da grande mesa festiva, numa feliz “guerra” natalina, cujas armas eram coquinhos,amêndoas, nozes, castanhas... Éramos uma família unida (leiam O Casamento), naquela noite.

Mas, retornando ao fato inédito e inusitado, o silêncio começou a ser cortado pelas vozes dos ilustres hospédes:-“ Claro este é o verdadeiro espírito...!”. -“ Sem dúvida...!” O dono do hotel balbuciou, nervosamente:-“ O socialismo chegou!...” -“ Bem no meu hotel, poderia ser em outro... ”disse rindo, parecendo ser simpático...

Assim, os serviçais foram chamados e timidamente foram sentando à mesa.

E, nós os servimos com as mesmas caras e raras iguarias natalinas, sob o olhar perplexo do proprietário do hotel de luxo.

Quando terminaram rapidamente de comer, e algo constrangidos, pois não estavam acostumados, sentamos e fomos servidos por eles, enquanto nossas filhas continuavam em sua alegre batalha.

Até hoje, quando encontro com o dono do hotel, ele relembra o caso e quando eu disse que Norival, (Nori, para os íntimos) meu marido encontrava-se em um “breve repouso” num Hospital Psiquiátrico, ele respondeu, sem esconder o alívio:- “Só poderia terminar assim, dona Floraalma...”.

O outro fato marcante foi com um amigo na praia, na passagem do ano. E, novamente a bebida foi o estopim da conversa. Não. Não estávamos no estado de total embriaguez. Pois nossa conversa fluía de maneira que poderíamos chamar de normal (meus inúmeros leitores sabem que detesto esta palavra!), e falávamos no novo ano que iria nascer em instantes.

Após um gole, meu amigo disparou:-“ Floraalma, porque esta festa, este calor humano, esta alegria, esta solidariedade, somente neste dia? Saiba, que todo o dia o sol nasce e dorme no poente, todo dia é um recomeço, é um ano novo, uma nova vida.. Deveríamos celebrar todos os dias! Todos os dias!! ”... Gritava,extravasando.

Dito isto, fogos encheram o escuro céu de cores e formas, interrompendo a nossa conversação.

Olhei as lágrimas, que percorriam novos caminhos em seu sofrido rosto, iluminadas pelo clarão multicolorido.

Abracei-o com afeto.

E, ficamos ali, os dois, abraçados, selando uma amizade imorredoura.

Estes dois fatos lembrei-me, enquanto fazia as compras natalinas, (em meio ao “furor comercial do Natal”, como dizia minha tia Bella Mambah.) ,após a criadagem retirar os muitos presentes natalinos e de fim de ano de minha limusine presidencial azul profundo e no caminho para minha mansão estilo normando, ter visto humanos revirando o lixo à procura de víveres, ou outra coisa qualquer, talvez brinquedos...comecei a entender.

No dia sequinte, após ter lido nos jornais sobre o aquecimento global, degelo das calotas polares,desmatamento,guerras...entendi tudo.


PS:Mesmo assim, desejo que o vento da esperança de um mundo melhor invada e inunde vossos corações.

f.a.


terça-feira, 3 de novembro de 2009

PASSEATA ALEGRE



Humanos/desumanos:
Meus incontáveis e fiéis leitores pediram-me para narrar a minha participação na Passeata Gay.
Foi quase inenarrável de tão prazerosa. Convidada, não poderia deixar de ir, para prestigiar este momento de pura e contagiante alegria. Meu tio Zumbyvivoh, ligou-me, pediu-me,implorou-me, ordenou-me até que eu não fosse a este tipo de passeata, pois além de ser um atentado á moral e aos bons costumes, ia me levar para o mau caminho, para a perdição. Enfatizou cheio de cólera.
O tio Zumbyvivoh é presidente honorário da GAY (Grupo Anti Yin-yang), vereador há 10 anos, eleito, é claro, pelos seus simpatizantes. Era a última reserva moral da cidade, como se auto proclamava solenemente.
Mas enfim, coloquei aquela roupa, guardada para estas ocasiões festivas: um collant inteiriço dourado, onde sobressaiam as minhas generosas formas e curvas, que as obtive graças a um feliz encontro (leiam A Primeira Vez). Um salto plataforma também dourado, flores naturais do campo com as cores do arco íris em volta da cabeça, uma pintura básica no meu angelical rosto, com destaque para os lábios carnudos, onde o carmesim acentuou. Tomei um banho de sais afrodisíacos persa em minha hidro banheira semi-olímpica. Perfumei-me com perfumes belgas. Tudo isto sob um sorriso muito branco, sincero e angelical. Fomos.
Eu, sendo conduzida pelo fiel motorista indiano Neruscah di Petibiribah (Nenê, para os íntimos) em nossa limusine azul profundo.
No caminho fiquei pensando:- “.. que turma feliz estes gays!!... são trabalhadores, competentes no que fazem, em sua grande maioria, não agridem ninguém (e, são agredidos!), fiéis amigos, inteligentes, alguns cultos, e, porque esta discriminação?
Já dizia minha tia Bella Mambah, rindo: “–Prazer não tem lugar!...”.
Lembro-me bem, quando cantora de blues (leiam Humanos/desumanos na lua),a família, os vizinhos, quase todos acionaram o preconceito. Escutei maledicências, injustas e descabidas. Ainda bem, que tinha me retirado daquele convívio, antes de iniciar a minha vitoriosa carreira de stripper (mas, isto é assunto para o futuro).
O meu fiel motorista indiano Neruscah di Petibiribah (Nenê para os íntimos) abriu a porta de trás da limusine azul profundo. Saltei e ao me afastar do carro, para procurar o local que seria ocupado por mim, notei um olhar de encantamento entre os presentes. Uma pequena multidão me acompanhava.
Não era para menos: uma mulher belíssima, longilínea, de tez morena, lânguido olhar verde e sedutor, nariz perfeito, dentes como espigas de milho, que brilhavam ao sol, cabelos castanhos lisos ao vento, aqueles dois punhais apontando para o firmamento, nenhuma barriga, coxas roliças e longas, panturrilhas firmes, nádegas idem, e os pés: verdadeiros fetiches. Eu estava uma deusa, modéstia á parte...
Á todos eu acenava, agradecendo a euforia que minha presença despertava.
No trajeto, recebi várias propostas de casamento: Um dinamarquês me dava metade do seu próspero negócio de sexo ao vivo (na capital Copenhague), um norueguês me oferecia à metade de sua fábrica de arenque/ bacalhau (dizendo ser a maior de Oslo), um americano entrava com a metade de uma cadeia de hambúrgueres no Texas, um francês dava toda a fábrica de perfumes nos arredores de Paris, e por aí eles iam me oferecendo... Em troca do casamento!... Mantive firme em minhas convicções (leiam O Casamento), e mesmo porque eu não queria e não podia enganá-los!... Não tinha este direito.
Subi no carro abre alas, onde fui um (a) dos destaques.
E, pude sentir a alegria, a pureza da festa, onde o calor humano, o suor ia sendo refrescado por uma chuva fina que foi muito bem vinda.
Fui ovacionada pela multidão. Agradecia comovida. Por onde ia passando pétalas de flores iam marcando o trajeto. Um perfume absolutamente leve dominava o ar. A liberdade era plena e o prazer de ser livre, fazia a diferença.
Gostaria que aqueles que maldizem a passeata estivessem também ali, para sentir o que eu estava sentindo. Enfim um clima de perfeita harmonia entre humanos/desumanos que tem todo o direito de extravasar a sua alegria. E, emocionada chorei. Misturei lágrimas de alegria e emoção com o suor e pingos de chuva, a natureza estava completa...
Súbito, alguém me chama. Olhei para baixo e vi (com os olhos que a terra há de comer) o meu tio Zumbyvivoh... Vestido de Carmen Miranda!!...
Com todos os apetrechos, balangandãs, frutas na cabeça e que maquiagem perfeita!...
Cumprimentamo-nos de longe, ele com todos os trejeitos da pequena notável... A multidão delirava com o tio Zumbyvivoh e seus requebros sensuais... Afinal tinha quase 90 anos... Lembrei-me de tia Bella Mambah, sua esposa, procurei-a e não a vi.
O carro abre alas já chegara ao fim da passeata. A chuva dava uma trégua.
Soltei do mesmo e uma multidão me seguia gritava o meu nome, numa euforia imensa.
Despedi-me com uma ponta de tristeza dos conhecidos. O meu fiel motorista indiano Neruscah di Pitibiribah (Nenê para os íntimos) me aguardava, com a porta aberta, de trás, da limusine azul profundo.
Entrei no carro e entreguei-me rapidamente aos braços de Morfeu, embalada pelo balanço e pelo ar refrigerado.
Tomei um demorado banho de sais orientais, na banheira semi olímpica. Acendi um incenso do Himalaia. Fui dormir na minha cama egípcia faraônica.
Acordei alegre com o sol radiante.
f.a.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

AS CONFISSÕES DE TIA BELLA MAMBAH



Humanos/desumanos:


Finalmente!
Após inúmeros e fiéis leitores terem me abordado em vários locais públicos, e eu ter recebido incontáveis correspondências, inclusive do exterior (com predominância da Bessarábia e da Transilvânia, onde tia Bella Mambah nasceu), fui convidada a tomar um chá paquistanês em sua casa, onde o segredo seria revelado...
Foi uma recepção formal e educada, como bem caracteriza o comportamento de tia Bella Mambah (leiam Valores Femininos).
Isto ocorre quando a mesma está sóbria, em seu juízo perfeito, parece uma nobre inglesa, da era Vitoriana. Mas, quando bebe (proibida pelo médico, no alto de seus 89 anos) se comporta de maneira libertina, como de nosso último encontro na residência luxuosa de tia Vyborah (leiam Valores Femininos).
Era uma casa de estilo sóbrio normando. Interiores discretos, com cabeças de animais empalhadas e penduradas, tais como tigre de bengala, javalis africanos, veados neozelandeses, isto numa atmosfera de penumbra, pois tia Bella Mambah, puxou o primo, o tio Leibowyczwy (leiam Silencio, Frio e Escuridão). Móveis antigos e pesados, tapetes persas, piso de madeira de lei, frisos largos onde os passos eram ouvidos à distância (tia Belamambah ofereceu-me pantufas), uma lareira de pedra. Tudo muito limpo.
Era um ambiente maravilhoso, pois tudo funcionava a contento, muito embora muitos achem ser velho demais, decadente até.
A mesa estava posta e reparei que não haviam serviçais.
Ela me disse que assim estaríamos mais á vontade e disse que o marido, tio Zumbyhvivo, chegaria tarde. A tarde desmaiava.
Súbito, notei que em cima da velha mesa de carvalho canadense, algumas garrafas de vodca russa, arenques marinados, pães pretos.
Um samovar de prata russo e biscoitos delicados.
-“É para você, querida, o chá...” disse-me polidamente, enquanto servia a vodca russa, envolta num manto de gelo, para si. ”-Sirva-se à vontade, esteja em casa.”
Agradeci, enquanto servia-me de chá paquistanês.
O silêncio só foi quebrado, pelo barulho da terceira dose de vodca russa em sua taça de cristal tcheco.
Tia Bella Mambah deu início:
-“Você sabe que eu me casei com 89 anos, invicta”! E, riu. -“Foi uma paixão à primeira vista. Seu tio Zumbyhvivo, viúvo de cinco(!) matrimônios, mesma idade, um homem educado, fino, religioso, uma reserva moral. Mas, nas primeiras semanas (e isto já tinha começado na nossa lua de mel em Visconde de Mauá), começou a me pedir coisas, a inventar coisas, que até Deus duvida... No começo, por educação, achava graça, mas depois vi que era engraçado até demais... Ele se vestia de professor e eu de aluna e batia na porta da frente, como se fosse um mestre zangado, eu abria e ele me colocava no colo e me dava reguadas pelo meu mau aproveitamento nas aulas e depois...”.
Tia Bella Mambah ria. “-De outra vez, ele apareceu vestido de Batman e por muito custo, o convenci, a me vestir de mulher morcego e não de Robin, como ele insistia... Também teve a vez em que ele aparecia de médico e eu de enfermeira... Ele de juiz de futebol e eu de bandeirinha...” Tia Bella Mambah já gargalhava sob efeito da vodca russa.
Culminou , quando ele vestido de leão (e, vinha caminhando desde a rua, com uma platéia ávida atrás, até a porta de casa!), fez-me vestir a roupa feminina de um safári africano. Foi tão intenso, que desmaiei no corredor, sendo levada para o pronto socorro, numa ambulância... Acredite, ou não, atrelada ao seu tio Zumbyhvivo!...
-“Seu tio foi passar uns tempos numa casa de repouso, sendo convidado a se retirar por bolinar em todas as enfermeiras.”. Tia Bella Mambah, já completamente alterada, ria e contava aquelas excentricidades, que pude perceber eram já tranqüilas para ela.
“E, agora, ele parou e eu que não quero mais parar!” Disse alto em bom som. “-Não quero! Não quero! Não quero!” E, gargalhava. A garrafa de vodca russa estava vazia. Súbito, um morcego (sim, parecia) entrou na sala com vôos rasantes e alojou-se na moldura do quadro seu tio Nosferatu Dracul. “-Não se preocupe é Naftalinah, nosso bicho de estimação. Ele sai de manhã e volta ao entardecer. Mas, voltando ao assunto, saiba querida sobrinha que eu sinto falta daquelas brincadeiras e o que fazer para o velho continuar?...” E, ria a não poder mais e de repente, caiu numa poltrona, como que desmaiada, pelo cansaço, pela vodca russa. Seu semblante era de calma. Apoiei tia Bella Mambah, delicadamente, em meus braços e vagarosamente, fui até o seu dormitório. Lá, coloquei-a suavemente em sua cama. Ela roncava levemente e de seus finos lábios um fio de líquido, subia e descia, conforme o movimento de sua respiração. Ao deixa-la na cama, tive a surpresa de ver , como um revestimento, em todas as paredes, todos os nus da revista Playboy, desde o seu número 01.As portas eram revestidas de quadrinhos eróticos do Carlos Zéfiro. Contive o riso, para não acorda-la.
Saí pé ante pé, fechei silenciosamente a porta, atravessei a sala, onde o morcego Naftalinah, já pendurado, olhava-me fixamente, bem como a figura pintada do quadro... Lembrou-me o famoso poema de Edgar Allan Poe( O Corvo). Estremeci.
Anoitecia. Ganhei à rua. Resolvi voltar a pé, pois não era muito longe. E, fiquei me perguntando, oque seria do mundo sem pessoas como tia Bella Mambah e suas ditas loucuras. Fiquei pensando e rindo sob uma poeira de estrelas.
f.a.




sábado, 10 de outubro de 2009

OLIMPÍADAS


Humanos/desumanos:

Fiquei feliz.

As Olimpíadas tinham sido iniciadas: um atleta, que passou a sua infância na favela, corria com a tocha olímpica pelo liso e molhado asfalto da cidade, que mostrava sinais de imaculada limpeza. O povo sorridente acenava e aplaudia. Uma chuva muito fina caía, refrescando a todos. As imagens mostravam as favelas pintadas e urbanizadas. Em cada uma delas, conjuntos de árvores davam um tom verdejante, de esperança, ao local. Todas as simples e dignas casas (outrora barracos) pintadas de cores diversas,com bandeirinhas igualmente coloridas, e florezinhas nas sacadas, indicavam o importante evento, com uma bandeira de tamanho maior indicando a escola recém construída.

A cidade tinha se transformado: meios de transporte mais rápidos e confortáveis, sua baía limpa de águas claras, túneis recém abertos, espaços urbanos amplos, confortáveis e seguros. Estacionamentos gigantescos e de fácil acesso. Áreas livres, arborizadas e limpas guardavam carros. Em cada bairro, novos hospitais, bem equipados e competentes.

O trânsito de veículos e pedestres fluía normalmente, sem nenhum problema. Nas vias urbanas não se via um só papel no chão.

A segurança dos habitantes era total.

O povo feliz cantava nas ruas. Era uma nova cidade, a transformação devia-se as Olimpíadas, cujo nome foi dada à comunidade mais carente da cidade, agora provida de educação, saúde, todos os serviços públicos essenciais a uma vida digna.

O nosso humilde e triunfante atleta, molhado de suor, chuva e talvez lágrimas, passou garboso com suas passadas largas e seguras. Via-se nele a redenção de um povo.

Aproximou-se da pira olímpica para colocar a tocha que ardia em suas mãos.

E, ao colocar, ouve-se um estrondo magnífico e ostentoso.

Não chovia mais e um arco íris colorido, deixava-se transpassar pelos fogos da alegria, na expectativa de uma existência melhor.

Acordei, infelizmente.

f.a.


terça-feira, 1 de setembro de 2009

ASSASSINATOS URBANOS



Humanos/desumanos:

Resolvi executar os serviços, que a minha fiel criadagem faz, por um dia. Como experiência, para quem sabe, testar-me. Foi uma insólita e nada romântica aventura.
De manhã, saí às ruas com o meu casal de lulus da Pomerânia, para apanhar sol e satisfazer suas necessidades fisiológicas. Pequei um saco plástico para o devido recolhimento. E, qual não foi a minha surpresa, quando olhei, esbarrei e pisei naquelas de outros canídeos domesticados. Apoei-me numa árvore, próxima e vi que daquela frondosa sombra, restava somente um pedaço de um tronco, um toco. As outras estavam, também, neste estado. Precisei fazer malabarismos, de modo circense, para que não pisasse em outras ditas cujas, que decoravam o passeio.Fui aplaudida (por anônimos passantes) pelas piruetas, para fugir daquelas "imundices", que quase me candidatei para trabalhar no Cirque du Soleil... Foi um esforço a retirada das “sujeiras” da sola de meu sapato italiano, o pé esquerdo.
Passei pela banca de jornais e li rapidamente. Um sábio vizinho diz que-”... se ler com profundidade as notícias, tem o perigo de enlouquecer...” Segui seu prudente conselho: só li os tristes e nefastos títulos...
Após o passeio, e a guarda dos lulus, resolvi enfrentar o mercado, para comprar víveres.
Fiz as compras, felizmente em dia de semana, pois no final da mesma, a minha governanta Goldawasser, disse que é infernal! –“Um convite à demência!...”, segundo suas próprias palavras. Bem, depois de comprar o necessário e não sei se foi o suficiente e ter recebido uma topada no calcanhar direito, de um distraído, dirigi-me ao caixa. À minha frente um carrinho, segurando à fila, quase cheio, estacionava, sem dono... Ficamos aguardando e momento depois apareceu um senhor que, talvez pensando alto, dizia:- “ter esquecido de comprar cebolas”... E, súbito, retorna, deixando o carrinho:- “...esqueci do queijo...”oque provocou uma natural reação da fila:-“Assim não é possível, o Sr. está brincando”... E, seu carrinho foi retirado da civilizada fila. Após um bom tempo, cheguei ao caixa. Esta, era mulher e não estava com bom humor. Dei-lhe bom dia e respondeu-me com um simples aceno de cabeça, colocando as compras de maneira brusca nos sacos.
Passei no banco e a fila estava tremenda, e eu não estava aparelhada para tal (cabana, farnel, revistas, charutos, etc.etc.) o que me fez desistir.
Na volta, resolvi caminhar para tomar um ar fresco, mas a poluição ambiental ajudou-me a procurar um táxi refrigerado. Estava difícil. Como difícil era ultrapassar os carros com as quatro rodas na calçada... Procurei um restaurante e só encontrei aqueles que serviam “comida à kilo” e observei as filas para os humanos/desumanos se auto servirem, e lembrei-me imediatamente do imortal Carlitos em Tempos Modernos... Desisti. São raros os restaurantes, que existem garçons discretos e profissionais, (nunca irão dizer:- “... o bife é feito, puxado na manteiga...”), toalhas e guardanapos de linho, honestos, limpos e silenciosos. Tentei entrar num ônibus e o som alto e de gosto duvidoso, aliado ao fato de possuir uma catraca, para entrada,equipamento medieval, nem para animais do que dizer para humanos... Abandonei esta opção de imediato.
Vislumbrei um táxi. Entrei e com o balanço do “asfalto”, o ar (gélido) condicionado e o cansaço, fizeram-me cair nos braços de Morfeu, instantes depois, pois o trânsito estava parado, face ao monstruoso engarrafamento. Chamou-me à atenção crianças pedintes nos sinais, fazendo malabarismo com limões e motoristas dirigindo e falando ao celular, ao mesmo tempo.
Acordei com o som estridente de um carro de som, fazendo propaganda política para candidatos em minha cidade.
Sorri ironicamente...
Meu mordomo javanês abriu felizmente a porta de minha mansão, segurando gentilmente as compras.
Mandei preparar um banho na minha banheira térmica semi-olímpica com sais indianos, para a minha recuperação física e mental.

f.a.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O ASSALTO E A GREVE



Humanos/desumanos:

Eu estava envolvida com a greve da minha criadagem.

Sim, porque todos têm o direito à dita cuja, embora eu já tivesse preparado todos os procedimentos legais, tais como contratado advogados suíços para tratar do caso, etc.etc. E, a mesma certamente seria considerada ilegal.

Quando acordei naquele dia , me dei conta que estava irremediavelmente perdida!

Pois estava sem a minha governanta polaca Goldawasser, sem o mordomo paquistanês Khulay, sem a cozinheira húngara Byllah, sem o garçom nórdico Yohanshenn, sem o jardineiro paraibano Zélais e sem o motorista indiano Neruskah di Petibiribah (Nenê, para os íntimos). Este sim, fazia muita falta, pois com a nossa limusine presidencial poderíamos arrebanhar a criadagem.

Mas, foram insolúveis os argumentos, para que voltassem à labuta.

Não sabia, qual seria o motivo deste motim trabalhista, pois sempre paguei bem aos serviçais: todos os direitos trabalhistas, semana de 03 dias semanais, férias no Caribe/Patagônia/Colorado/Alpes, etc, a escolher, com direito á passagem de avião na primeira classe com acompanhante,ida e volta, recesso duas vezes ao ano de 04 meses, alguns ganhavam travellers euro, seguro saúde perene, quando completassem 04 anos de casa, aposentadoria perene, também ,pelos 04 anos de casa e proporcionais, extensivo aos parentes, nepotismo, etc., além de uma mordomia digna, etc.etc, parecendo até o ...deixa prá lá...

Uma reunião foi marcada na casa do motorista indiano Neruskah di Petibiribah (Nenê, para os íntimos).

Mas, neste interregno (que palavra!), tive que me virar sozinha.

Pequei um frescão, sim porque neste calor senegalês, é impossível suportá-lo, dando até para fritar um ovo na calçada.

Fui à busca do motorista indiano Neruskah di Petibiribah (Nenê, para os íntimos).

Sentei nos fundos do ônibus, que estava quase cheio.

Estava entretida com meus pensamentos e escutava no celular As 4 Estações de Vivaldi,com máscara nos olhos para aplacar a claridade. Quando abri os olhos e vi que um rapaz, de aparência humilde falava, na frente do ônibus. Tirei o fone do ouvido, para escutá-lo: -“Senhoras e Senhores, boa tarde: desculpe atrapalhar a boa viagem de vocês... eu poderia estar aqui como assaltante e estou pedindo para me ajudar,pois tenho seis filho, sogra doente, estou desempregado, para comprar este saco com vinte unidade das deliciosa mariola Boas Vida! Um saco é dois real, três sacos é cinco real. Alguém se habilita? Quem vai?...”.

Nisto, começou a colocar o saco das deliciosas mariolas Boas Vidas nos colos dos passageiros, numa velocidade invejável. Eu é claro, balancei a cabeça negativamente, agradecendo. O ônibus seguia seu fluxo normal. Ao recolher todos os pacotes de mariola, pois infelizmente, ninguém comprou, o vendedor subitamente sacou de um revólver cano longo e dispara:- “Olha aqui gente boa, vai botando as carteira, relógio, etc. que eu vou recolhendo... e se alguém chiar... sei não... o berro...berra!!” E, gritava, na medida que ia assaltando:-" Perdeu!...Perdeu!... Perdeu!"...

A mulher à minha frente, começou a soluçar. Eu de minha parte , olhava para fora,na janela, fingindo indiferença, como se nada tivesse acontecendo e a vista fosse dos Alpes suíços... Na frente do ônibus, junto ao motorista, outros, também armados, conversavam com o mesmo e assustavam os passageiros próximos. Mas notei ,que um clima de conversa informal já se instalara, quando para quebrar essa sensação, o vendedor estala um tapa na bochecha da mulher que soluçava alto, de medo...

O silencio agora era insuportável.

Eu tinha perdido o meu celular made in China e o relógio o assaltante tinha achado “mixuruca”, que mais tarde viria, a saber, o que significava esta palavra e o "berro"... Aliás nunca vi cano de "berro" mais longo...

Depois de terem feito o roubo , saltaram lépidos do transporte de massa refrigerado, assobiando , deixando um pacote de mariolas Boas Vidas ao assustado motorista.

Todos fomos à Delegacia Policial e demos queixa, com todas as formalidades.

Achei uma aventura emocionante!...

Mas o meu problema, persistia. E, como a delegacia ficava, felizmente, perto da residência de meu motorista indiano Neruskah di Petibiribah (Nenê, para os íntimos), que me aguardava, tomando chá indiano e fumando narguilé em sua espaçosa varanda, cercada de verde. Junto, pude ver todos os meus serviçais presentes.

Nenê pediu a palavra e com um leve nervosismo, olhando nos meus olhos (aquele olhar me sufocou...) disse com suavidade:- “Senhora Floraalma, nós estamos muito satisfeitos com a senhora, nada a reclamar (e, não podemos, frisou) é... que... gostaríamos de pedir a senhora que nos tirasse estas vantagens (passagens, viagens, mordomias,nepotismo, etc.etc.), bem como o alto salário que nós recebemos. Queremos receber os nossos direitos com dignidade, sem ferir aqueles que recebem bem menos!”. E, finalizou: "-Estamos fundando a Comissão Utópica Sindical Operária Doméstica (CUSOD) e convidamos a senhora a ser nossa presidente de honra." Dito isto tragou o seu narguilé, sob aplausos dos meus fiéis serviçais.

Eu não estava acreditando!.. O meu advogado suíço desmaiou e precisou de sais para acordar.

No dia sequinte tudo voltou à normalidade e recebi a notícia que meu celular made in China fora encontrado. Dei de presente ao agora calmo e sorridente motorista do ônibus frescão, que me convidou a entrar gratuitamente e eu declinei, agradecendo.

Atravessei à rua e peguei a minha azul profundo e blindada limusine refrigerada presidencial, onde o motorista indiano Neruskah di Petibiribah (Nenê, para os íntimos), vestido a caráter e de luvas brancas, abriu solenemente a porta traseira para mim.

f.a.


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O ENTERRO



Humanos/desumanos:


Recebi a trágica notícia do falecimento de tio Rasputynn que foi o marido de tia Ameliah. Soube por tia Bella Mambah (aquela que casou aos 89 anos), embora os jornais tenham convidado(!) parentes e amigos para o funeral. Tio Rasputynn era uma figura famosa, e eu nunca soube oque realmente ele fazia. Ele dizia que fazia de tudo um pouco... Saía de manhã, muito bem vestido por sinal, banho frio tomado (dizia que seu avô viveu até aos 98 anos, tomando banho frio, mesmo no inverno!), cheiroso, e só voltava à noite, onde um jantar ao seu gosto e prazer o esperava,cama,banho, roupas passadas, chinelos junto à morna cama, etc. tudo preparado por tia Ameliah, durante quase meio século!

Era o que podíamos chamar de um dândi: boas camisas de seda, gravatas italianas, sapatos lustrosos de pelica, bicos finos, um bigodinho fino bem aparado, cabelos pretos e bem penteados, parecia um cantor/dançarino de tangos. O que fazia, como ganhava a vida, era um mistério.Nos freqüentávamos pouco, somente nas poucas festas ou enterros de alguém muito comum/íntimo entre nós.

Ele tinha comentado, com a tia Vyborah que eu não “prestava”, após o meu divórcio com o Norival, o Nori, (sobrinho que ele dizia gostar muito) e eu tinha me tornado uma “libertina”, uma “devassa”, segundo as suas palavras. E, “que uma mulher divorciada, era um perigo para os sólidos e perenes casamentos de nossa íntegra família”.

Tinha esquecido a língua de origem, pois morava aqui há 60 anos, tendo chegado ainda imberbe. Tia BellaMambah disse que ele morreu feliz, fazendo sexo fora de casa!

Não entendi...

A minha governanta Goldawasser disse que tio Rasputynn tinha colocado literalmente o "bloco na rua"...

Em respeito à tia Ameliah e suas filhas, coloquei um vestido preto básico e fui ao cemitério. Chovia fino. O táxi que me conduziu teve dificuldades para chegar ao destino, daí chegar um pouco atrasada.

Ao chegar ao cemitério, vi uma multidão na entrada. Mulheres em sua maioria. Notei um carro da polícia na frente. Entrei e custei a encontrar alguém da família. Achei tia Vyborah, que não mostrava boa cara: estava transtornada!

Observei o caixão , coberto pela bandeira do S.Cristovão Futebol e Regatas, onde tio Rasputynn jazia, sua expressão era de um cinismo irônico...

Junto ao caixão uma multidão de mulheres chorava. Pareciam carpideiras profissionais ou uma alcatéia de lobas. Na porta dois policiais mantinham uma ordem aparente. O ambiente era tenso.

Soube por tia Vyborah que o tio Rasputynn não queria nenhuma cerimônia religiosa, nada de flores, gostaria de ser cremado e suas cinzas jogadas ao entardecer no Danúbio. Estava sendo atendido em tudo, mas não quanto às flores, pois uma quantidade enorme de coroas de flores não parava de chegar.

Pude ler “com os olhos que a terra há de comer” em algumas delas:

“A Thermas Delícias da Vida oferece ao seu nobre assíduo freqüentador”.

“A Thermas Baco Suave oferece ao seu eterno diretor!”

“A Thermas Jovens Puras oferece ao seu benemérito!”

“O Sindicato das prostitutas unidas oferece ao inesquecível Putinho”.

Entendi tudo.

Perguntei por tia Ameliah e tinham me dito que uma ambulância a tinha transportado em estado de choque para o hospital, acompanhada pelas filhas e que felizmente passava bem, à base de calmantes. O quadro era dramático: de um lado uma quantidade de mulheres, bonitas,feias, velhas, jovens e crianças que se diziam filhas e netas de tio Rasputynn, que tinha o nome carinhoso e mais fácil de ser pronunciado entre elas: "-Ah!... meu Putinho!" -"Não vai agora meu Putinho!!..." Do outro lado, somente tia Vyborah, eu e tia Bela Mambah, que tinha chegado. A balbúrdia era total.

Súbito, no alto de seus 89 anos, tia Bela Mambah, sobe num banquinho e dispara:

-“Meus amigos, minhas amigas aqui presentes: - Silencio!! Silencio!!”.

Foi atendida prontamente e continuou- “Sou irmã do querido e inesquecível Rasputynn, para vocês o Putinho. E, em respeito a esta amada figura que agora nos deixa, vamos respeitar o seu último instante aqui na terra. Sei que há desencontros entre as duas partes (olhou para tia Vyborah), mas neste momento vamos dar a este honesto homem um final digno, como foi a sua vida toda!”.

Foi aplaudida de pé pelas mulheres em torno do esquife.

Tia Vyborah retirou-se, indignada. Mais tarde tia Bela Mambah, confidenciou-me que ela estava ali por que se acreditava que tio Rasputynn (ou Putinho, para os mais íntimos) tinha deixado uma enorme poupança, no que foi desmentido mais tarde. Foi um "duro" a vida toda, só tinha a pose de um nobre.

Seu corpo foi levado, agora num silencio respeitoso e sepulcral até o local onde seria cremado, a pedido.

Saí de lá cansada e aturdida.

Quem diria tio Rasputynn: “a última reserva moral...,” como se auto proclamava...

Uma brisa fresca roçou em minha face e comecei a sorrir, rir e a gargalhar daquela situação toda, pois tio Rasputynn, dizia em vida que “É tudo uma farsa! É tudo uma farsa”!...Mentindo para todos menos para ele.

Ri mais ainda quando este poderia ter sido o seu epitáfio, caso fosse enterrado.

Ganhei à rua em busca de um táxi. Não chovia mais e um lindo arco íris encobria as sepulturas.

f.a.


quarta-feira, 22 de julho de 2009

HUMANOS/DESUMANOS NA LUA


Humanos/desumanos:

Lembro-me daquela noite de 20 de julho de 1969. Eu, meu velho, cansado e sofrido pai à frente da televisão. Era um momento marcante para a humanidade: O homem na lua.
Eu e meu pai não falávamos, não piscávamos. O silêncio entre nós, dizia bem aquele momento. Vimos o homem chegando ao solo lunar, passeando na lua, fincando a bandeira.
Ao final da impressionante aventura, meu pai disparou:-“ Não acredito nisto...”, -“ Não acredito nisto...” Palavras de um religioso, que não queria acreditar no que estava vendo, como que a ciência provocasse os seus valores religiosos.
E, assim como meu pai, até nos dias atuais, uma legião de incrédulos, duvida daquele feito humano.
Eu custei a dormir naquela gloriosa noite. Dúvidas assaltavam meu jovem e inexperiente coração e mente: por que ir à lua? O que fazer na lua?
Será que na terra os problemas cruciais como poluição ambiental, guerras, fome, miséria, educação, saúde, desigualdade social, não seriam suficientes para serem antes resolvidos ou aliviados? Adormeci...

“Escondíamos-nos no porão de nossa casa. Lá fora clarões de bombas e foguetes eram lançados... da lua! A rua estava deserta, o toque de recolher tinha alertado ao bairro, como vinha acontecendo após às 20 horas. O silêncio só era quebrado com os estrondos, que vinha das ruas desertas. A luz e a água eram racionadas e ás vezes cortadas. O caos tinha se instalado em nossa cidade.
Mal dormíamos e nos alimentávamos com grandes dificuldades, pois era difícil ter acesso às ruas. As explosões não cessavam. O barulho era ensurdecedor. E, aconteceu: um barulho no vidro da janela, indicando que alguém se manifestava. Seria algum estilhaço das bombas?... Não. Era de alguém querendo se comunicar ou entrar. Na escuridão e em silêncio fomos nos aproximando da janela para ver.Não conseguimos. O clima era de medo. Tínhamos notícias que as principais capitais do mundo ,tinham sido destruídas. E, agora a invasão seria iminente. O mundo acabava...
Súbito, a janela do quarto abre e seres( humanos?), que não pude descobrir como e quantos eram, entraram naquele quarto, sob o clarão de bombas na rua...
Gritei, desesperadamente com todas às forças...”.

Acordei. Foi um pesadelo.No café da manhã meu pai não falou mais do assunto, embora toda a mídia tenha se ocupado do fato: Homem pisa na lua!
No trajeto para a Escola Normal, eu ia ser professora, apesar de querer ser crooner de boate, pois cantava muito bem no chuveiro do banheiro de casa, imitando as imorredouras Sarah, Ella, Billie. Mas nem pensar diziam os meus pais. Mas, ia pensando no homem na lua, como não bastassem os problemas humanos, como não bastassem o que tinha ocorrido quando o homem branco,que em nome da “civilização” e da “religião”, tentou exterminar a cultura e dizimou milhões de seres humanos, que aqui viviam em harmonia e paz consigo e com a natureza. Duas lágrimas teimaram em descobrir novos caminhos em meu rosto juvenil. Pensei nos bilhões de dollares , que poderiam ser gastos aqui para minorar os nossos sofrimentos.
Neste momento descobri que a humanidade é assim mesmo. A saída era difícil, mas não impossível.
Deixei tudo preparado, escrevi uma carta ao meu amado pai, talvez ele estivesse certo, mas por outros caminhos e parti.
Fui ser hippie de dia, vendendo artesanato e de noite, cantava blues numa boate, no interior, onde as poucas luzes do pequeno lugarejo deixavam que o meu olhar contemplasse milhares de estrelas cintilantes como uma poeira mágica e a lua cheia mostrasse toda a sua beleza: amarela e ainda deserta.

f.a.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

REUNIÃO DE CONDOMÍNIO


Humanos/desumanos:

A vida e o destino me levaram a passar uma temporada no aprazível Vonsekah-Sur-les-Alpes, com inúmeros blocos, altíssimos e situados numa cota (altura) bem superior ao nível da rua.
E, logo no primeiro mês, foi marcada uma reunião de condomínio, com uma maciça e colorida propaganda pelas partes comuns dos 23 blocos.
O meu apartamento 1421, bloco C-U.
C-U porque um quarto estava ligado ao bloco U e a sala e o outro quarto ao bloco C. Mas, a primeira e importante orientação que obtive na portaria do prédio era que eu desse o endereço e colocasse o bloco C ou bloco U, nunca C-U, por motivos óbvios, não ficava bem esta última denominação, pois se tratava de "prédio de famílias de boa índole e educação", como dizia a Senhora Síndica. E que, tinha um funcionário encarregado de separar estas correspondências, tanto do bloco C, como do bloco U. Era uma comunidade heterogênea em algumas idéias e homogênea em certos aspectos, como poderão observar os meus inúmeros e fiéis leitores.
Eu, sempre me mantive recatada e discreta, cumprimentando educada e formalmente as pessoas, quando as encontrava. O pavimento onde esta escriba habitava, tinha nada mais, nada menos de que 24 apartamentos. Era alto e frio, daí o nome: Vonsekah- Sur -les -Alpes. Á noite, as ruas, travessas e becos ficavam desertos e silenciosos, sendo desaconselhável respirar algum ar puro nas imediações. E, era à noite que eu gostava mais, pois a mesma me fornecia destas três preciosidades tão esquecidas hoje em dia: silencio frio e escuridão, que o saudoso tio Leybowizcy tanto amava.
Eu só me ausentava de dia.
E, era de dia que aquela míni cidade fervilhava: dezenas de crianças correndo desesperadamente em busca de espaço e oxigenio, velhos aposentados discutindo em voz alta o futebol e a política, domésticas flertando na portaria com os empregados (muitos) do prédio, visitantes de todas as espécies, cobradores sem fim, inúmeros pregadores religiosos, entregadores de compras, operários de obras, material de obras, reclamações, brigas entre crianças, rádios tocando ruídos de gostos duvidosos num volume ensurdecedor, gritos estridentes de vizinhos se intercomunicando pelas janelas... E por aí vai...
Eis que chega o grande dia (noite), a reunião de condomínio.
Coloquei aquele vestidinho preto básico e fui.
Compareceram proprietários e inquilinos (meu caso) devidamente autorizados pelos zelosos e responsáveis locadores.
A primeira visão foi de uma grande festa: bandeirinhas coloridas, uma grande mesa na frente, onde a Senhora Síndica orientaria os trabalhos, a comissão fiscal. Um número (insuficiente) de cadeiras no meio da sala (salão de festas), pequena para suportar tantos presentes e no fundo uma mesa de salgadinhos dos mais diversos, com refrigerantes. Pediu-se que não levassem bebidas alcoólicas e também não levassem crianças, muito embora visse algumas delas no recinto, inclusive a filha da síndica. Lembrou-me, não sei o motivo, talvez o colorido, a festa, uma convenção norte americana para presidência.
A Senhora Síndica, pediu a palavra e deu início aos trabalhos.
Eu sentei-me no fundo, após acenar discretamente para os conhecidos de vista.
A Senhora Síndica leu a ata da reunião anterior e lembrou-me as casas legislativas: ninguém deu ouvidos: uns conversavam baixo, outros liam jornais, outros bocejavam... outros seguravam as poucas crianças que estavam de olho na mesa dos salgadinhos. Aprovadas as contas do mês, sem questionamentos.
Agora a Senhora Síndica, entra solenemente na ordem do dia. Enquanto lia, fui reparando no seu modo, algo militar. Reparei na sua voz decidida e forte, sempre começava sua fala com o “na verdade...” Era como se a verdade estivesse contida na sua “na verdade...” e, estamos conversados! Como também o seu trajar, um conjunto composto de calça comprida e camisa no tom verde oliva. Era uma mulher de meia idade, um rosto sofredor e notei um pequeno buço em seu fino lábio superior.
Os assuntos eram os mais exóticos (para mim) possíveis:
“O morador do 1321 bloco R, estava se comportando de maneira infeliz, bulinando de modo obsceno(atentado à moral e aos bons costumes do nosso prédio!) a moradora do 1802 bloco D, dentro do elevador às 18h02m. Estão presentes? – Não?!! Na verdade...”.
“A moradora do 1704 bloco E, está vestindo trajes incompatíveis( decote escandaloso! )com a boa norma e conduta moral do nosso prédio”. Está a bela senhorita presente?
-Não?!!Na verdade...”
“Os moradores (onze!) do 2201 bloco W, estão fazendo barulho após as 22 horas, jogando linha de passe, futebol!...”.
Presente alguém do mesmo? –Não?!!-Na verdade...”
“A moradora do 2014 bloco O, cozinha até altas horas e consta ter aberto um restaurante em seu apartamento. Presente a referida senhora? Não?!! - Na verdade...”.
“O morador do 1520 bloco C-reclama que parou (!) o vazamento da unidade superior e, aproveitava esta água para tomar banho, economizando o precioso líquido e que agora é uma água mal cheirosa e, por isso”...
Presente o mesmo? Não?!! – Na verdade...”
"O morador do 101 bloco X, térreo, reclama de que quando da limpeza da caixa de esgoto, em sua área, foram encontrados muitos preservativos masculinos e absorventes femininos, reclama da solitária senhora moradora do 201 do mesmo bloco...
Presente a mesma?-" Sim, responde a idosa senhora. E , diga a este cafajeste que eu não mestruo mais pela minha idade e meu cachorro é castrado e não usa camisinha!! Eu sou pobre, mas sou limpinha!!" Foi uma gargalhada geral, sendo aplaudida delirantemente.
E, por aí ia a reunião até que chegou ao seu momento mais importante:
A permissão de animais domésticos, principalmente cães naquele prédio. Sim, porque eu mesma pude constatar, eram inúmeros, exalavam o odor característico e desagradável, grandes e mal encarados, pequenos e chatíssimos. Várias vezes eu declinava de entrar no elevador, pois um casal (!) de pitt Bull, um rotweiller, um pastor alemão daqueles, um dog alemão, um casal (!) de Bull dog ou um bando de pinsher, poodle, etc. aguardavam-me, no fundo do elevador, sentados e tratados qual príncipes/princesas. O prédio era um canil.
A Senhora Síndica, disse:- “Na verdade... O regulamento é claro:
Na verdade, não são permitidos cães no prédio, artigo sexto, parágrafo 15, inciso 21.”.
Ao dizer isto, após um breve silêncio, a multidão respondeu enfurecida:
“-De maneira nenhuma! Prefiro mandar embora a minha mulher, sogra, etc. do que largar o meu amado Lalau” gritou uma voz masculina. –“Isso não está direito, só debaixo do meu cadáver!” Esbravejou outra. - “A Senhora está brincando, meto-lhe um processo, o meu cão é o meu marido”!
Realmente, era uma unanimidade: todos queriam ficar com os seu cachorros. A confusão, misturada com revolta era o clima reinante.
Após confabularem rapidamente, a Senhora síndica tomou a palavra e disparou:- “Na verdade, tenho uma sugestão: só serão aceitos animais com menos de 40 cm, de altura!” A platéia ficou em silêncio e algumas vozes se fizeram ouvir:-“ E isto aí!” –“ É isto aí! “... Logo a maioria concordou, pois quase todos os cães eram de míni estatura e poucos eram os maiores.
Levantei-me e pedi educadamente a palavra, que me foi concedida imediatamente (notei que quem não fala nada, tem a preferência, talvez por curiosidade geral); -“Boa noite, gostaria de avisar que tenho em casa uma jararaca de estimação, e que a mesma tem menos de 40 cm de altura...” concluí com seriedade e falsidade. No que a síndica retrucou:-“ Na verdade, não tem problema, tendo menos de 40 cm, tudo beleza!”. O que foi acompanhada pela turba, agora feliz: -“Pode! Pode! Pode!...”.
A Senhora Síndica, pediu a palavra: - Na verdade, não mais havendo o que discutir, dou por encerrada a presente reunião deste condomínio! Convido aos condôminos ao nosso lanche. Obrigado e boa noite. ”Dito isto a horda atirou-se vorazmente à mesa, nos fundos. Tamanha era a quantidade de salgados, que reparei que alguns (nem todos!) carregavam bolsas para levar para casa... Uma voz sussurrou-me ao pé do ouvido:-“ Dona Floraalma, aceita um croquete? Na verdade, não está quentinho, mas é fresquinho...”.
Após inúmeros esbarrões, saí daquele local o mais rápido que pude.

Uma semana depois, um caminhão de mudanças tirou-me de Vonsekah-Sur- les-Alpes.

f.a.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

ERA UMA VEZ


Humanos/desumanos:

"Era uma vez uma criatura,que nascido homem, cresceu no meio que mais tarde o consagraria e desde pequeno, mostrou um talento imenso. Nascida mulher, além daqueles atributos, ocupando o mesmo lugar e com o mesmo talento, cresceu linda, esplendorosa.
Os anos passam e essas criaturas, tornam-se celebridades. Seres incomparáveis. Vendem (no caso musical) milhões de discos em todo o mundo globalizado. Não possuem mais vida privada, pois os personagens,desta vida, são esmiuçados pela mídia 24 horas por dia. É o preço do mega sucesso. Conta-se até, que estes seres , olham debaixo da cama, antes de dormir (se é que dormem). Tornam-se muito ricas, mas do que imaginavam antes do estrelato. São poucas e são únicas. Confinadas em mansões/castelos, suas excentricidades viram banalidades, que o mundo dos mortais vê, aplaude, vaia, acha graça,chora, sofre.
No palco são geniais. Eles nos fazem felizes em cena. Somos pequenos, frente a tanta arte, a tanta beleza. Com seu fulgor cegam aqueles que os aplaudem. São únicos e talvez saibam disto. Tornam-se deuses, encastelados e cercados de tudo o que lhes dá prazer e conforto. São recebidos por reis/rainhas/governantes no mais alto estilo, com pompa e circunstância. Muitos nascem humildes e a ascensão social é algo extraordinário.
Os anos passam e estas cultuadas e idolatradas criaturas, começam a dar sinais, que algo não vai bem. Atingem ao apogeu da glória e caem, quando saem de cena. Suas imensas fortunas são perdidas, dilapidadas, esbanjadas . Elas começam a mostrar ao mundo as suas fraquezas, que por mais que se escondam, são humanas, são também nossas. O sofrimento toma o lugar da alegria, o prazer transforma-se em dor.
E, não agüentam, não suportam o fato de saírem de cena, tão fragilizados, logo eles nossos ídolos, nossos deuses. Infelizmente, caem como um castelo de cartas, um castelo de areia que a onda do mar leva.O sucesso, como o poder, é embriagador. Porque caíram? Porque não suportaram a carga? Estas respostas ficam com os estudiosos: sociólogos, psicólogos, psicanalistas, antropólogos, etc. que saberão responder.
A esta órfã de tão brilhantes artistas, resta a dor da perda, da eterna lembrança. Eles são como estrelas cadentes e fugazes.Era uma vez..."
A eles (Marilyn Monroe; Elvis Presley; Jimi Hendrix; Elis Regina; Garrincha; Michael Jackson; e tantos outros), a minha homenagem, como observadora da vida.
f.a.


sábado, 27 de junho de 2009

NAMORADOS



Humanos/desumanos:

Meus inúmeros e incontáveis leitores pediram-me para escrever sobre o dia dos namorados.
Ora, achei a proposta muito comercial e proponho escrever sobre os namorados, estes sim, motivos principais.
Recebi uma missiva do jovem casal Hystéricah e Pusilânimeh, que reclamam um do outro, como verão a seguir:

A você, namorada, tenha paciência com o ser amado masculino: “Deixe-o ir ao futebol para ver 22 homens correndo atrás de uma esfera. Deixe-o ir ao bar com os amigos e nunca levar a namorada. Deixe-o chegar sempre atrasado ao seu encontro e dar desculpas esfarrapadas ou nenhuma. Deixe-o soltar flatos/arrotar à vontade perto de você. Deixe-o esquecer as datas mais importantes de vocês. Deixe-o ser estúpido em situações banais. Deixe-o usar a mesma cueca uma semana. Deixe-o usar aquele tênis um mês, sem lavar as meias. Deixe-o não usar desodorante. Deixe-o não dividir as despesas com você. Deixe-o servir a comida antes para ele. Deixe-o entrar num lugar antes de você. Deixe-o dormir e roncar ao seu lado no escurinho do cinema. Deixe-o flertar com todas as suas belas amigas. Deixe-o não cuidar da aparência. Deixe-o ir ao banheiro de porta aberta, estando com você. Deixe-o esquecer de usar a camisinha quando faz sexo com você. Deixe-o sem lhe dar carinho. Deixe-o esquecer de não lhe dar uma flor, um poema.”.
Enfim, querida amiga namorada Hystéricah, ele quer uma “Amélia”, por cima e por baixo...

A você, namorado, tenha paciência com o ser amado feminino: “Deixe-a ir a constantes reuniões sem o namorado. Deixe-a também chegar sempre atrasada e mentir. Como mente (você diz)!... Deixe-a olhar para você com um desprezo aterrorizante. Deixe-a fazer comparações com outros casais, na sua frente. Deixe-a engordar e só pensar no trabalho. Deixe-a dizer não quando você diz sim. Deixe-a nunca colocar para você aquela roupa (sexy) que você adora. Deixe-a reclamar de tudo. Deixe-a também usar a mesma calcinha uma semana. Deixe-a não tomar banho durante um bom período. Deixe-a não depilar as pernas e a axila. Deixe-a reclamando de tudo e de todos. Deixe-a ir a algum lugar e dizer que foi ao dentista. Deixe-a esquecer de tomar a pílula. Deixe-a esquecer das datas marcantes para você. Deixe-a ficar com ‘dor de cabeça’, quando você a quer.Deixe-a usar os seus pertences, indefinidamente. Deixe-a achar os seus amigos atraentes. Deixe-a indiferente aos seus interesses”.
Enfim, querido amigo namorado Phusilânimeh, você tem tudo para ser "canonizado" mais tarde...


Não tenho à pretensão de julgar ou aconselhar quem quer que seja e não se trata disto, trata-se de dar uma chance ao amor.
Não à toa que Minha Namorada (Vinicius de Moraes( sempre ele!) e Carlos Lyra) é para mim a melhor música/poesia que estes pobres ouvidos (acostumados a ouvir perversos ruídos) escutaram nestes últimos anos.
Aconselho isto sim, ao jovem casal Hystéricah e Phusilânimeh a prestarem atenção na letra.
Amem-se e sejam felizes.

f.a.




segunda-feira, 15 de junho de 2009

VALORES FEMININOS

Na photo Tia Vyborah escolhendo a sua primeira opção.

Humanos/desumanos:

Fui convidada para o chá beneficente dos A.N.P.C.C.A.D.Q.O. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL dos PENTEADORES de CABELOS de CRIANÇAS AFRO DESCENDENTES em suas QUOTAS OFICIAIS), na belíssima e luxuosa residência de minha tia, viúva e conselheira, a tia Vyborah.
Em lá chegando, encontrei um grupo de mulheres animadas e em sua maioria beirando a terceira idade.
Presente também a tia Bella Mambah, aquela que contraiu matrimônio aos 89 anos. Sentei-me ao seu lado.
A mesa era farta de docinhos franceses e italianos, estes com uma variedade enorme de iguarias, pães, torrones frescos, etc., tudo a base de amêndoas de oriunda da região Siciliana chamada Agrigento. Tia Vyborah não faz por menos: “-ou calça de veludo ou bum bum de fora...” costuma dizer. No caso: calça de veludo!
Tia Vyborah dizia que “a primeira amendoeira nasceu de amores infelizes” e que, após o rico lanche, tinha algo feminino e importante a discutir conosco.
Fiquei curiosa.
Pude observar chás de origem asiática, café colombiano, champagne francesa,queijos e chocolates suiços, água mineral do Canadá, frutas do Caribe, e por aí vai... Os garçons de origem Indiana vestiam a caráter, com luvas brancas. A louça e os cristais eram da Bavária.
Fui muito bem recebida por tia Vyborah, mas guardando as devidas distancias e intimidades. Levei um espelho tcheco, que a tia prontamente pendurou no quarto de seu motorista polonês há 40 anos, completamente calvo, o Roman... Após fazer um comentário negativo, quanto ao presente.
A vozearia feminina era intensa, coisa que assusta a quem vive só, como eu, no silencio. Os assuntos eram os mais estapafúrdios.
Comecei a conversar com tia Bella Mambah, que reclamou da vida de casada. Dizia- “que seu marido, pedia-lhe coisas completamente exóticas, escandalosas”, para uma senhora que ficara virgem até aos 89 anos e quando ia me contar de que se tratava o carrilhão suíço, banhado a ouro e cravejado de brilhantes, num pedestal de mármore de Carrara italiano, badalou cinco vezes. Imediatamente após, tia Vyborah balançou o sinete de ouro de seu falecido marido, (tio Mulah era joalheiro) e anunciou, solenemente:
“Queridas, tenho algo a lhes contar”... Sem antes fazer um sinal com a cabeça para o maitre e todos os garçons, para que se retirassem. Foi prontamente atendida. “E, prosseguiu: ‘Vou ler para vocês, a carta, que o meu jardineiro croata, recebeu de seu primo Górgias, cujo assunto era Valores Femininos,ou o que uma mulher espera de um homem, a saber: Segurança, dinheiro,carinho, atenção e sexo, não necessariamente nesta ordem, variando de mulher para mulher...”.
Claro que as mulheres começaram a colocar os valores em sua ordem de preferência.
Tia Bella Mambah, no alto de seus 89 anos, recém casada, pediu a palavra e já sob o efeito de muita champagne francesa, disparou:- “A ordem é sexo, atenção; sexo, segurança; sexo, carinho; sexo, dinheiro”!! E ria, soltando sonoras gargalhadas.
Tia Vyborah, prontamente rebateu: ‘ Querida irmã, você não está bem, e com os olhos de ódio, rebateu:- “O certo é dinheiro, segurança, atenção, carinho e sexo, e estamos conversadas”!!
As duas nunca se toleraram.
A balbúrdia era imensa, cada uma dava sua opinião, pois também não queriam contrariar a poderosa anfitriã.
Não se chegou a nenhuma conclusão definitiva.
Tia Vyborah continuou a ler a carta: “... Aqui na minha terra, construí uma engenhoca interessante: A Cama Catapulta”. Explicarei melhor: -”Quando a mulher, após momentos de atividades de prazer, tais como um belo banho aquecido na banheira térmica, uma refeição maravilhosa, acompanhada com aquele vinho à luz de velas, um belo filme num telão sob um ar condicionado agradável, um sexo maravilhoso onde se desmaia de prazer, etc.começa a introduzir assuntos desagradáveis e delicados, tais como: minha família quer te conhecer..., vamos morar juntos..., precisamos dar uma “seriedade” no nosso relacionamento... etc.etc. Entra em ação A Cama Catapulta!! A criatura é ejetada para o exterior, pela janela, indo cair num confortável táxi, que a deixa em casa em segurança, afim de que a mesma possa refletir melhor!”.
Tia Bella Mambah gargalhava até não poder mais.
Tia Vyborah, mira a incrédula platéia e dispara raivosa e indignada: -“Isto também serve para os homens!! Malditos machistas!! E, isto não vai ficar assim: vou processar este tal de Górgias!!
Foi ovacionada pelas mulheres. E, prometeu para breve uma nova reunião em represália aos homens.
Começou a chover e tia Vyborah, acionou os seus vários motoristas, em suas viaturas presidenciais, para que deixassem em casa os convidados.
Despedi-me de tia Bella Mambah, que sob o efeito da bebida, virou a atração da festa, com suas gargalhadas escandalosas e suas observações irreverentes e verdadeiras demais... Ela fez-me um sinal com a mão ao ouvido, querendo dizer que ia me telefonar, para contar o escândalo sexual de seu velho marido, usando gestos obcenos com os dedos para tal, sem nenhuma cerimônia.
O motorista, bem vestido e de luvas, esperava-me. Abriu a porta da luxuosa viatura como um príncipe. Era um daqueles havaianos contratados por tia Vyborah. Bronzeado, forte, jovem,elegante,discreto, educado, alto, de dentes muito alvos e de cabelos pretos e lisos. Olhos negros e profundamente ardentes.
Sentei no confortável e refrigerado banco de trás e fomos em silêncio até a minha residência. Chovia. Convidei-o a entrar.
Dormiu lá em casa e não precisei usar a Cama Catapulta.

f.a.




domingo, 7 de junho de 2009

TRAGÉDIA HUMANA


Querida Flora Alma:

“Fiquei triste e consternada com o ocorrido com o avião de bandeira francesa.
Perderam-se preciosas vidas, que iam a diversos destinos: culturais, passeios, lua de mel, negócios, etc.
E, temos as inocentes crianças... Uma tristeza.
Mas, não posso deixar de pensar que 12 crianças morrem de fome no mundo, por minuto! A cada 7 segundos uma criança morre de fome!
A cada dia, 100 mil pessoas morrem de fome e suas conseqüências!
“Uma criança que morre de fome é assassinada por ordem mundial”.
Não quero me perder em estatísticas (são tantas!), que ajudam a encobrir os verdadeiros fatos e as soluções (umas fáceis), que vão se perdendo nos gráficos, fórmulas, retóricas infindáveis, etc.
Nossa mídia acompanha passo a passo esta catástrofe aérea. Fotos/filmes de pessoas de classe social superior, mostrando sua dor, em detalhes.
Faz-se uma radiografia da aeronave nos mínimos detalhes. O interesse pelas causas é diuturno.
Mostram-se presidentes, ministros, altas autoridades civis, militares e eclesiásticas lamentando o ocorrido.
Um aparato de luxo (hotéis, etc.) está à disposição para dar conforto aos aflitos parentes.
Buscas febris e incessantes, com a mais alta tecnologia para descobrir objetos, corpos, ou qualquer vestígio desta desgraça aérea.
Mudanças, mais que rápida nos equipamentos para dar maior segurança, durante os vôos.
Lamento o acidente aéreo.
Deveríamos fazer também um minuto de silêncio, enquanto houver uma criança morrendo de fome.
Mas, se todo este aparato oficial/ privado tivesse o mesmo interesse nas mazelas humanas (fome, miséria, desigualdade social, educação, saúde, poluição ambiental, paz) o mundo ficaria melhor.
Não, não foi só uma tragédia aérea. É uma tragédia humana”.

Atenciosamente,
Sua Consciência.

f.a.

domingo, 24 de maio de 2009

A PRIMEIRA VEZ

Humanos/desumanos:

Incontáveis leitores me abordam na rua, onde faço inúmeras ações: compras de víveres, pagamento de impostos, que não vemos nenhum retorno, (“-aonde vão estes impostos?” perguntou-me um dia minha governanta Goldawasser, (eu não soube responder...), fazendo ouvidos de mouco. Enfrentar filas de banco para outros pagamentos e aí a quantidade de fãs é enorme (outro dia levei barraca, farnel, água, coxinhas de frango, bolo e foi uma festa!...), caminhadas pela orla do Atlântico ao crepúsculo, ida ao campo de Teixeira de Castro ver o querido rubro anil Bonsucesso treinar, etc.etc.
E, a pergunta é sempre a mesma: Flora Alma, quando foi a primeira vez?
Tentei disfarçar, mas o assédio era tanto, que numa dessas vezes, ao ficar na fila a noite toda, para pegar o número para uma consulta médico-ginecológica, e levando a minha barraca tailandesa (ar condicionado, cama redonda espelhada, closet e W.C. com peças em matizes rosa), frigo-bar cheio de bebidas russas finas, baguettes e queijos franceses. Fruits de la saison, café colombiano, charutos cubanos, etc., etc. Não teve jeito e maneira, mesmo porque a multidão que se formava para ouvir-me, já era maior do que a fila propriamente dita...
Sentei na minha longchaise canadense, acendi um caribenho (autografado por Fidel), olhei as estrelas que piscavam/brilhavam no firmamento e sob a pressão do CONTA!! CONTA!! Inspirei/ respirei fundo (como me ensinou minha terapeuta húngara), tomei coragem e confessei:
“-Eu era uma jovem sem viço, fraca, muito branca, triste. Não me cuidava. Tirava boas notas na escola, era comportada, boa filha, educada. Mas, o que me adiantava estas qualidades, se não era bonita e não tinha namorado?”
O silêncio era sepulcral, os grilos e sapos faziam uma serenata infernal. A atenção do enorme público era comovente.
“Aí, resolvi ir a uma vidente, que todos diziam, iria resolver os meus problemas sentimentais. Todas as minhas colegas (eu não tinha amigas) foram. Todas me aconselharam. O mesmo dizia minha confidente tia Vyborah, miss Sirilanka de 1929. Fui.
Tomei um banho de espuma, por 2 horas na banheira turca de casa, perfumei-me com almíscar indiano, tapas delicados com pó-de-arroz da Manchúria, penteei meus cabelos desgrenhados com pente de osso do Quênia, vesti-me com aquele vestido rosa de noite de debutantes, o qual fui ao casamento de uma tia solteirona convicta, tia Bella Mambah, que se casou aos 89 anos. Eu não usava porta seios, embora firmes, eram pequenos demais.
Era uma simpática e sombreada casa branca de 2 andares no subúrbio. Jardins bem cuidados na entrada, que dava para se ver da calçada. Apertei a campainha e lá de dentro escutei a nona sinfonia de Beethoven. Uma distinta senhora de olhos azuis veio ao portão com um leve sotaque familiar, perguntou-me:-“ Allmaflorra"?... - Não, respondi, delicadamente: Flora Alma! “Ah sim... Tenha o bondade de entrarr “... Madame Natacha, o vidente, vai lhe atenderr...” Fique o vontade. “E, se retirou para o interior da casa que notei era grande e de muito bom gosto”. Dentro da casa um ambiente de silêncio, penumbra e frescor caracterizavam o ambiente.
Súbito uma belíssima mulher, parecendo uma miragem flutuante, surge do nada. Alta, elegante, em sua cabeça um turbante dourado, olhos verdes amendoados, lábios carnudos, dentes alvos e certos como uma espiga de milho, pescoço longo e tentador, uma blusa da mesma cor do turbante onde dois grandes punhais apontavam para o firmamento. Vestia calças brancas, colantes e notava-se o contorno de suas grandes e firmes coxas, usava salto alto e seus pés e suas brancas e bem cuidadas mãos... Eram verdadeiros fetiches.
Caminhou firme em minha direção e com uma voz aveludada e cálida, murmurou: - "Vamos entrar Flora Alma..." Confesso que quase desmaiei.
Em seu reservado e bem decorado quarto de consultas à meia-luz, um delicioso e delicado incenso ardia. Pediu-me com quase ternura para sentar e acomodou-se em uma poltrona de couro cru. Sua presença era tão marcante que eu não conseguia respirar.
- "Mas, então o que lhe aflige? Perguntou suavemente, com aqueles divinos olhos. Expliquei-lhe, todo meu sofrimento existencial-amoroso, olhando na maior parte do tempo para o chão. Era difícil encarar tanta formosura. Ela acompanhou o meu relato com um interesse invulgar, o que fez que nossos olhos se encontrassem. Estremeci.”
A noite já ia longe e a multidão ouvia-me num silêncio religioso.
Continuei: “Após o meu sofrido relato, Madame Natacha olhou-me fixamente. Levantou-se, parecia uma gazela ao se movimentar e, sem retirar aqueles grandes olhos de minha pessoa aproximou-se, lentamente. De sua face, uma lágrima teimou em descobrir o caminho de seu rosto angelical. Abraçou-me. Senti o seu corpo. E, súbito segurou o meu rosto em suas perfumadas mãos e me beijou. A princípio com carinho e depois sofreguidamente. O que respondi igual, é claro.
Mas a dúvida de fazer amor com uma mulher se dissipou rapidamente. Ao retirarmos a enorme quantidade de roupa numa febril agitação, vi que aquele esplendoroso corpo de mulher, tinha... a principal característica... de um homem... entre suas pernas!!..
Mas não pense a distinta platéia que me ouve até agora, que desisti de fazer amor, com aquele pedaço de "homem"... Fizemos de tudo um pouco. Tudo. Foi maravilhoso!Um marco em minha vida. Apaixonei-me perdidamente. Contou a sua vida toda. Ele (a) se chamava Ygor e preferia ser Natacha, disse-me carinhosamente.
Não vou contar aqui detalhes, para que não me chamem de "pornográfica", muito embora esteja certa, que sexo é normal (detesto esta palavra!), natural, humano, e pornográfico é criança passando fome, é repressão á liberdade, é esta hipocrisia que numa mesa de jantar pode-se relatar, com estranho prazer:- ..."o filho do 1004, bloco T do prédio, esquartejou a mãe e suicidou-se...” e todos ávidos por detalhes e pelo final da trágica história..., mas sexo não:" é pornográfico! "Dizem os puritanos de plantão, muitos destes foram incendiários e agora são bombeiros...
Recebi da atenta platéia algumas palmas... Agradeci comovida e continuei a narrativa: “Despedimo-nos apaixonadamente.
Nunca mais o (a) vi, pois na próxima sessão a bondosa senhora de olhos azuis, contou que naquela mesma noite, Madame Natacha (para mim Ygor) arrumou os seus pertences e tinha voltado para sua terra natal, aonde ia se apresentar ao balé de Bolshoi. Ganhou uma bolsa de estudos. Não, não chorei. Desejei a Ygor (Natacha) toda felicidade do mundo!
Depois do ocorrido fiquei mais bonita, muito bonita: pele macia, cabelos sedosos, lábios sensuais, cintura fina, ancas largas, coxas roliças.. As colegas se aproximaram. Tive inúmeras paixões e passei a usar porta seios tamanho G.
É isso meus amigos: a primeira vez foi inesquecível!!”.
Dito isto, o silêncio do início do dia foi quebrado com uma salva de palmas e gritos da comovida platéia:" É Flora Alma!!... É Flora Alma!!..."

Os primeiros raios de sol apareceram e a sofredora fila postou-se como gado que vai para o matadouro e eu liderando a dita cuja.


f.a.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

domingo, 10 de maio de 2009

DIA DAS MÃES

Querida filha:


“Já estou bastante idosa e muitíssimo enferma, mas não poderia deixar de lhe agradecer as comemorações no dia consagrado às mães.
Filha: o que você anda fazendo comigo, não é coisa que uma verdadeira filha faz. Aí não vai nenhuma cobrança por ter lhe gerado, ter lhe dado o ar que respira a água tão essencial que cobre quase a sua totalidade e a terra que mata a sua fome.
E, amada filha, que você tem me dado em troca?
Poluição do ar, da terra e das águas... a camada de ozônio não existe mais, isto é ruim para sua saúde; as calotas polares estão derretendo pelo aquecimento global, provocando trágicas enchentes; a devastação das florestas é gigantesco (aí mesmo, nesta "terra da fartura", extensa e bonita por natureza, só sobraram cerca de sete por cento da Mata Atlântica, considerada a mais rica em biodiversidade, a Amazônia (pulmão do mundo) só tenho notícias "-... da quantidade de campos de futebol devastados, diariamente..." onde o fato mais marcante é ter como medida a terra devastada.
O importante são as estatísticas, gráficos, etc.etc.
Mesmo na área urbana, onde você provavelmente vive (?), uma simples poda é executada com requintes de perversidade e ignorância. Plantam-se poucas árvores, que não são cuidadas com respeito. Estuda-se a fotossíntese e a prática é outra.
Por mais paradoxal que pareça quanto mais você polui, mais órgãos e siglas exóticas de combate a esta poluição aparecem criados por você.
Joga-se tudo no mar, nos rios. Tudo, até a... bem deixa" pra lá", porque hoje é o meu dia...
Em nome do progresso, você usa praguicidas/agrotóxicos, envenenando à terra, o ar, a água e a você próprio...
Em nome do mesmo, você constrói prédios, adensando cada vez mais...
Onde está escrito progresso, não seria melhor ganância?...
Amada filha, desculpe a revolta, mais eu estou preocupada com as suas gerações futuras (haverá tempo?), que são os seus filhos, netos, bisnetos...
Minha querida, vocês aí na terra vivem de contradições o tempo todo: as mulheres que geram, educam os homens e são as próprias que tem este espírito de mãe (sensibilidade e respeito com a natureza de cuidar e preservar os filhos) e o que vemos?... -Os mandatários são em sua ampla maioria homens (estes mesmos filhos) que maltratam esta mãe que lhe escreve, pois do jeito que as coisas vão, ficarás órfão... É um planeta machista por excelência e o triste resultado está aí.
Filha, lembre-se que caixão não tem gaveta....
Desculpe as mal traçadas linhas e tomar o seu tempo que é precioso demais.
Por tudo isto, por me tratares assim, muito obrigado,"

Com carinho,
Mãe Terra.

PS:"Parabéns pelo dia de sua mãe biológica( ou não!), comemore bem e me respeite depois da festa, que eu espero ter sido mais sincera e menos comercial."

f.a.