domingo, 24 de maio de 2009

A PRIMEIRA VEZ

Humanos/desumanos:

Incontáveis leitores me abordam na rua, onde faço inúmeras ações: compras de víveres, pagamento de impostos, que não vemos nenhum retorno, (“-aonde vão estes impostos?” perguntou-me um dia minha governanta Goldawasser, (eu não soube responder...), fazendo ouvidos de mouco. Enfrentar filas de banco para outros pagamentos e aí a quantidade de fãs é enorme (outro dia levei barraca, farnel, água, coxinhas de frango, bolo e foi uma festa!...), caminhadas pela orla do Atlântico ao crepúsculo, ida ao campo de Teixeira de Castro ver o querido rubro anil Bonsucesso treinar, etc.etc.
E, a pergunta é sempre a mesma: Flora Alma, quando foi a primeira vez?
Tentei disfarçar, mas o assédio era tanto, que numa dessas vezes, ao ficar na fila a noite toda, para pegar o número para uma consulta médico-ginecológica, e levando a minha barraca tailandesa (ar condicionado, cama redonda espelhada, closet e W.C. com peças em matizes rosa), frigo-bar cheio de bebidas russas finas, baguettes e queijos franceses. Fruits de la saison, café colombiano, charutos cubanos, etc., etc. Não teve jeito e maneira, mesmo porque a multidão que se formava para ouvir-me, já era maior do que a fila propriamente dita...
Sentei na minha longchaise canadense, acendi um caribenho (autografado por Fidel), olhei as estrelas que piscavam/brilhavam no firmamento e sob a pressão do CONTA!! CONTA!! Inspirei/ respirei fundo (como me ensinou minha terapeuta húngara), tomei coragem e confessei:
“-Eu era uma jovem sem viço, fraca, muito branca, triste. Não me cuidava. Tirava boas notas na escola, era comportada, boa filha, educada. Mas, o que me adiantava estas qualidades, se não era bonita e não tinha namorado?”
O silêncio era sepulcral, os grilos e sapos faziam uma serenata infernal. A atenção do enorme público era comovente.
“Aí, resolvi ir a uma vidente, que todos diziam, iria resolver os meus problemas sentimentais. Todas as minhas colegas (eu não tinha amigas) foram. Todas me aconselharam. O mesmo dizia minha confidente tia Vyborah, miss Sirilanka de 1929. Fui.
Tomei um banho de espuma, por 2 horas na banheira turca de casa, perfumei-me com almíscar indiano, tapas delicados com pó-de-arroz da Manchúria, penteei meus cabelos desgrenhados com pente de osso do Quênia, vesti-me com aquele vestido rosa de noite de debutantes, o qual fui ao casamento de uma tia solteirona convicta, tia Bella Mambah, que se casou aos 89 anos. Eu não usava porta seios, embora firmes, eram pequenos demais.
Era uma simpática e sombreada casa branca de 2 andares no subúrbio. Jardins bem cuidados na entrada, que dava para se ver da calçada. Apertei a campainha e lá de dentro escutei a nona sinfonia de Beethoven. Uma distinta senhora de olhos azuis veio ao portão com um leve sotaque familiar, perguntou-me:-“ Allmaflorra"?... - Não, respondi, delicadamente: Flora Alma! “Ah sim... Tenha o bondade de entrarr “... Madame Natacha, o vidente, vai lhe atenderr...” Fique o vontade. “E, se retirou para o interior da casa que notei era grande e de muito bom gosto”. Dentro da casa um ambiente de silêncio, penumbra e frescor caracterizavam o ambiente.
Súbito uma belíssima mulher, parecendo uma miragem flutuante, surge do nada. Alta, elegante, em sua cabeça um turbante dourado, olhos verdes amendoados, lábios carnudos, dentes alvos e certos como uma espiga de milho, pescoço longo e tentador, uma blusa da mesma cor do turbante onde dois grandes punhais apontavam para o firmamento. Vestia calças brancas, colantes e notava-se o contorno de suas grandes e firmes coxas, usava salto alto e seus pés e suas brancas e bem cuidadas mãos... Eram verdadeiros fetiches.
Caminhou firme em minha direção e com uma voz aveludada e cálida, murmurou: - "Vamos entrar Flora Alma..." Confesso que quase desmaiei.
Em seu reservado e bem decorado quarto de consultas à meia-luz, um delicioso e delicado incenso ardia. Pediu-me com quase ternura para sentar e acomodou-se em uma poltrona de couro cru. Sua presença era tão marcante que eu não conseguia respirar.
- "Mas, então o que lhe aflige? Perguntou suavemente, com aqueles divinos olhos. Expliquei-lhe, todo meu sofrimento existencial-amoroso, olhando na maior parte do tempo para o chão. Era difícil encarar tanta formosura. Ela acompanhou o meu relato com um interesse invulgar, o que fez que nossos olhos se encontrassem. Estremeci.”
A noite já ia longe e a multidão ouvia-me num silêncio religioso.
Continuei: “Após o meu sofrido relato, Madame Natacha olhou-me fixamente. Levantou-se, parecia uma gazela ao se movimentar e, sem retirar aqueles grandes olhos de minha pessoa aproximou-se, lentamente. De sua face, uma lágrima teimou em descobrir o caminho de seu rosto angelical. Abraçou-me. Senti o seu corpo. E, súbito segurou o meu rosto em suas perfumadas mãos e me beijou. A princípio com carinho e depois sofreguidamente. O que respondi igual, é claro.
Mas a dúvida de fazer amor com uma mulher se dissipou rapidamente. Ao retirarmos a enorme quantidade de roupa numa febril agitação, vi que aquele esplendoroso corpo de mulher, tinha... a principal característica... de um homem... entre suas pernas!!..
Mas não pense a distinta platéia que me ouve até agora, que desisti de fazer amor, com aquele pedaço de "homem"... Fizemos de tudo um pouco. Tudo. Foi maravilhoso!Um marco em minha vida. Apaixonei-me perdidamente. Contou a sua vida toda. Ele (a) se chamava Ygor e preferia ser Natacha, disse-me carinhosamente.
Não vou contar aqui detalhes, para que não me chamem de "pornográfica", muito embora esteja certa, que sexo é normal (detesto esta palavra!), natural, humano, e pornográfico é criança passando fome, é repressão á liberdade, é esta hipocrisia que numa mesa de jantar pode-se relatar, com estranho prazer:- ..."o filho do 1004, bloco T do prédio, esquartejou a mãe e suicidou-se...” e todos ávidos por detalhes e pelo final da trágica história..., mas sexo não:" é pornográfico! "Dizem os puritanos de plantão, muitos destes foram incendiários e agora são bombeiros...
Recebi da atenta platéia algumas palmas... Agradeci comovida e continuei a narrativa: “Despedimo-nos apaixonadamente.
Nunca mais o (a) vi, pois na próxima sessão a bondosa senhora de olhos azuis, contou que naquela mesma noite, Madame Natacha (para mim Ygor) arrumou os seus pertences e tinha voltado para sua terra natal, aonde ia se apresentar ao balé de Bolshoi. Ganhou uma bolsa de estudos. Não, não chorei. Desejei a Ygor (Natacha) toda felicidade do mundo!
Depois do ocorrido fiquei mais bonita, muito bonita: pele macia, cabelos sedosos, lábios sensuais, cintura fina, ancas largas, coxas roliças.. As colegas se aproximaram. Tive inúmeras paixões e passei a usar porta seios tamanho G.
É isso meus amigos: a primeira vez foi inesquecível!!”.
Dito isto, o silêncio do início do dia foi quebrado com uma salva de palmas e gritos da comovida platéia:" É Flora Alma!!... É Flora Alma!!..."

Os primeiros raios de sol apareceram e a sofredora fila postou-se como gado que vai para o matadouro e eu liderando a dita cuja.


f.a.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

domingo, 10 de maio de 2009

DIA DAS MÃES

Querida filha:


“Já estou bastante idosa e muitíssimo enferma, mas não poderia deixar de lhe agradecer as comemorações no dia consagrado às mães.
Filha: o que você anda fazendo comigo, não é coisa que uma verdadeira filha faz. Aí não vai nenhuma cobrança por ter lhe gerado, ter lhe dado o ar que respira a água tão essencial que cobre quase a sua totalidade e a terra que mata a sua fome.
E, amada filha, que você tem me dado em troca?
Poluição do ar, da terra e das águas... a camada de ozônio não existe mais, isto é ruim para sua saúde; as calotas polares estão derretendo pelo aquecimento global, provocando trágicas enchentes; a devastação das florestas é gigantesco (aí mesmo, nesta "terra da fartura", extensa e bonita por natureza, só sobraram cerca de sete por cento da Mata Atlântica, considerada a mais rica em biodiversidade, a Amazônia (pulmão do mundo) só tenho notícias "-... da quantidade de campos de futebol devastados, diariamente..." onde o fato mais marcante é ter como medida a terra devastada.
O importante são as estatísticas, gráficos, etc.etc.
Mesmo na área urbana, onde você provavelmente vive (?), uma simples poda é executada com requintes de perversidade e ignorância. Plantam-se poucas árvores, que não são cuidadas com respeito. Estuda-se a fotossíntese e a prática é outra.
Por mais paradoxal que pareça quanto mais você polui, mais órgãos e siglas exóticas de combate a esta poluição aparecem criados por você.
Joga-se tudo no mar, nos rios. Tudo, até a... bem deixa" pra lá", porque hoje é o meu dia...
Em nome do progresso, você usa praguicidas/agrotóxicos, envenenando à terra, o ar, a água e a você próprio...
Em nome do mesmo, você constrói prédios, adensando cada vez mais...
Onde está escrito progresso, não seria melhor ganância?...
Amada filha, desculpe a revolta, mais eu estou preocupada com as suas gerações futuras (haverá tempo?), que são os seus filhos, netos, bisnetos...
Minha querida, vocês aí na terra vivem de contradições o tempo todo: as mulheres que geram, educam os homens e são as próprias que tem este espírito de mãe (sensibilidade e respeito com a natureza de cuidar e preservar os filhos) e o que vemos?... -Os mandatários são em sua ampla maioria homens (estes mesmos filhos) que maltratam esta mãe que lhe escreve, pois do jeito que as coisas vão, ficarás órfão... É um planeta machista por excelência e o triste resultado está aí.
Filha, lembre-se que caixão não tem gaveta....
Desculpe as mal traçadas linhas e tomar o seu tempo que é precioso demais.
Por tudo isto, por me tratares assim, muito obrigado,"

Com carinho,
Mãe Terra.

PS:"Parabéns pelo dia de sua mãe biológica( ou não!), comemore bem e me respeite depois da festa, que eu espero ter sido mais sincera e menos comercial."

f.a.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Silêncio, frio e escuridão.

'WIDTH

(Na photo, tio Leibowyczwy, num passeio dominical na baía de Guanabara, em Charitas).

Humanos/Desumanos:

Como sabem , tenho minhas origens lá pelos lados e cantos da Transilvânia. E, um belo dia do nosso fraco inverno, numa destas sextas feiras, ao crepúsculo, recebo a visita do tio Leibowyczwy. Não, não foi de surpresa. “-” Há séculos, venho lhe avisando, Flora Alma, que estaria aqui hoje, nesta data, nesta hora “... disse solenemente.
O recebi com o maior carinho e respeito, pois ele merece. Irmão do meio, num total de dez, de minha pranteada e saudosa mãe. Veio com pouca roupa, em sua pequena mala, estranhando o calor, abaixo da linha do Equador. Não quis ficar hospedado aqui em casa, desculpando-se, educadamente, pois se trata de um nobre (em decadência, mas um nobre), preferindo, segundo ele as instalações de um catre, na favela do Rato Molhado. Não perguntei como veio e se fez boa viagem, por delicadeza. Tio Leibowyczwy tem aversão às perguntas... Fala pouco e diz tudo.... Só me fez uma recomendação: que não o procurasse de dia, falasse pouco e não se preocupasse com ele, pois estava muito bem acomodado e não lhe faltaria nada. Ele falava baixo, suavemente e sem nenhum sotaque: um português mais que escorreito, perfeito!
Conhecedor profundo dos hábitos de nossa família, procurei atender, da melhor maneira possível, tão distinta pessoa.
Nos víamos, quase toda noite. Quase porque ele me confidenciou, num tom baixo, sempre baixo, que tinha as suas necessidades. E só poderia faze-las sozinho. Isto eu percebi quando numa dessas noites escuras, sem luar e estrelas, tio Leibowyczwy tinha um líquido vermelho em seus quase transparentes lábios e discretamente o sorvia rapidamente, tal qual uma serpente com sua pontuda e fina língua... Nestas ocasiões seus azulados olhos, se avermelhavam levemente...
Em outro ensejo, reapareceu calmo, sereno. Flanando até. Dizendo-me que tinha ido ao cemitério do bairro, numa noite de lua cheia, para namorar... Balbuciou levemente: ...-" foi uma orgia magnífica!...”Não perguntei nada, é claro.
Tio Leibowyczwy aconselhou-me a não mais ler jornal, não saber de notícias oficiais, não acreditar em políticos, não discutir sobre futebol e religião. Ele dizia que são questões menores que os humanos teimam em falar/discutir e que é uma preciosa perda de tempo, já que, segundo ele, para os humanos a vida é muito curta... disse-me em poucas palavras. Aconselhou-me a comer muito rabanete e bertalha (não disse o porquê e nem perguntei), tratar sempre bem uma mulher e sair de fininho e rápido de qualquer confusão, e acrescentava: ...''-queira bem ao próximo, como a ti mesmo..." "-... seja solidário com os humildes...”
Trajava sempre o mesmo vestuário. Um espectro ambulante.Foi visto por poucos humanos/desumanos, e estes, acreditavam ser uma peça publicitária, ensaio de alguma fantasia para o próximo Carnaval, propaganda de algum político para as eleições... e também dada a hora que se locomovia... Uma oportunidade, um gato em cima do muro, deu de frente com titio e desesperado atirou-se ao mar, aqui em Charitas, afogando-se, de propósito. Quando da sua passagem, ao me visitar, os cães da vizinhança ganiam, ficavam desesperados e rapidamente se escondiam. Os únicos animais, que se alegravam com a sua presença eram os urubus que voavam em círculos nos céus, alegremente, e os camundongos daqui de casa, que o seguiam,saltitantes, onde quer que ele fosse como pude constatar. Ainda bem, que pedi a minha governanta Goldawasser, moradora em Tanguá, que ficasse com Gomulka e Beria,o meu casal de periquitos australianos.
Na última noite ele me disse, solene, como que me dando a chave da felicidade: "Flora alma, existem três coisas boas na vida:-" O silêncio, o frio e a escuridão. "
Realmente, tenho pensado nisto e concordo plenamente com o sábio tio: Quer coisa mais irritante que uma voz esganiçada, um som alto arrebentando os tímpanos e de gosto duvidoso? Quer coisa mais terrível que um calor senegalês fritando o seu corpo? Quer coisa mais incomoda que uma luminosidade a lhe fechar os olhos?... Para ele: " a soma destas três era a paz!...”Dizia com uma ternura vampiresca, enquanto andava em círculos pela sala, parecendo flutuar.
Ele passou 25 dias aqui, em nossa cidade. Só o vi e escutei os seus judiciosos conselhos, em 13 noites.
Partiu, assim como chegou,sem deixar vestígios.
Deixou-me uma simpática carta de agradecimento, dizendo que voltará em breve, etc.etc. carta esta em cujo determinado trecho final, fiquei intrigada: ...'' daqui a nove meses, ganharás alguns priminhos...”

f.a.

Cidade


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Humanos/Desumanos:

Cheguei numa cidade desconhecida, num trem agradável. Viajei a noite toda e pelos primeiros raios da manhã, pude observar os contornos daquela cidade. Poucos prédios altos e só na periferia.Algumas chaminés de poucas fábricas, longe do seu perímetro urbano. Extensas áreas verdes, mananciais de água, davam uma primeira impressão agradável. Escolhi o trem, pois a gare central de chegada era a mais próxima da cidade, pois a rodoviária e as estradas passam bem ao largo. Um enorme cinturão verde a cerca, tornando a temperatura agradabilíssima.
Saltei e a primeira impressão é a limpeza. Tudo sinalizado, avisos orientando sua direção, um posto de atendimento aos turistas/desconhecidos funcionando, com pessoas gentis e simpáticas.
Notei também o número de bicicletas no bicicletário, sem nenhuma corrente, livres.
Na praça central um guitarrista, acompanhado por uma alta mulher com dentes alvos, tocava blues e esta recolhia com um chapéu moedas e notas.
O silêncio, só era cortado, com algum apito de um barco, que singrava as límpidas águas de um canal ao lado.
Casas de tijolinhos vermelhos, outras com com fachadas coloridas. Floreira nas sacadas. Passeios com vasos de flores.Bairros arborizados.Poucos carros, trânsito ordenado, calmo.Informaram-me que o tráfego um pouco mais pesado passa longe do centro urbano.Tudo limpo.
O comércio, restaurantes e bares também com floreira e plantas nas calçadas, dando um ar agradável ao ambiente, cercado de árvores, muitas árvores.
Nisso, vi um movimento maior : era talvez, alguma autoridade numa praça pública, dando explicações /informações ao público, que se manifestava, sobre algum futuro projeto... A comunidade se reúne, diziam-me.
Mais tarde soube, que estas autoridades não recebem salário, em troca tem facilidades para o seu sustento.
Soube que o índice escolar e de saúde eram as prioridades dos governos desta cidade.
Sentei-me numa mesa na calçada e pude observar o ambiente: idosos passeavam de mãos dadas, crianças de rostos rosados iam á escola, um casal de namorados, acredito, trocavam juras de amor.Os pássaros cantavam nas árvores. Notei que as pessoas se cumprimentavam em silêncio, balançando as cabeças com sorrisos.
Tomei o café, sendo saudado pelo garçom, um senhor de idade, com uma marcante dignidade .
Devo ter passado poucas horas e o trem saía pontualmente.
Retornei e não mais vi o cantor de blues com sua guitarra, nem a sua companheira de dentes muito claros..
Tudo permanecia igual, parecia que o tempo parou ali, naquele lugar feliz.
Da janela do trem, que vagarosamente se afastava, tentei com ansiedade ler o nome daquela cidade. Não consegui. Adormeci, embalado pelo movimento do trem e por aquela paisagem externa. Lembrou-me de um amor que tive e que não deu tempo de continuar...
Foi tudo muito rápido, como só acontecem com as coisa boas...Uma breve melancolia me possuiu...
Súbito o bilheteiro abriu a porta da cabine e disparou:" -bilhete por favor!!..."
Acordei com um barulho infernal de obra, mais um prédio no meu bairro...

f.a.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

CASAMENTO




Humanos/Desumanos:


Meus numerosos leitores solicitam que esta humilde escriba, escreva (!) sobre o casamento!
É uma tarefa difícil. Pois quem sou eu para julgar este passo (ou cadafalso), que os humanos teimam em repetir em seus patíbulos de origem?
Em uma oportunidade, num passado distante, lembro-me bem, abracei os noivos, velhos amigos e disparei: - Meus sentimentos!!...(ato falho!), corrigi a tempo, sem antes não receber o olhar mortífero da mãe da noiva e da responsável pelo que se chama de cerimonial (que cuida do comportamento dos adultos, na oportunidade, patético...). Realmente, foi constrangedor mas consertei a tempo, pois a noiva tinha perdido a avó materna, recentemente.
Que posso dizer/aconselhar é sobre a minha experiência matrimonial.
Fui casada 33 anos com Norival, o Nori.
No começo( primeira semana...), foi ótimo.
Depois... É uma história longa e sofrida... Que os inúmeros leitores não merecem, e de mais a mais repetida, banal, comum.
Mas, em poucas palavras: Nori, no início, trazia-me flores do campo, saíamos para jantar á luz de velas todas às sextas feiras, não trazia nenhum problema de sua repartição (que palavra!), era amável, cortês, na cama um touro indomável (e, naquela época não havia viagra e assemelhados). Levantava mais cedo para escovar os dentes e tomar banho e beijava-me com um hálito de menta fresca, não fazia questão da minha presença em seus encontros sociais (notadamente em festa de aniversário de criança, que convenhamos... ) Entendíamos em em um simples olhar, falávamos pouco e baixo, eu sabia que ele gostava de meia cinta e máscara preta, corpete decotado da mesma cor e cheiro de almíscar, o chicote... velas levemente perfumada, toda noite... Eu, também seguia este ritual consorte diário.
Algumas luas mais tarde, Nori mudou. Eu mudei... A única frase que tínhamos era: “... precisamos conversar... dar um tempo....”
Lembrou-me, queridos leitores, daqueles casais que entram mudos e saem calados, quando vão a um restaurante ou a um super mercado (no sábado!...). Silêncio sepulcral (os dois a se perguntar: ... que eu estou fazendo aqui?!...).
Já não tinha mais jantar às sextas feiras. Nori gritava, tratava mal todo mundo, tinha saído aos tapas com o porteiro do prédio por motivo fútil-futebolístico, não tomava mais banho, nem escovava os dentes... soltava flatos, como se estivesse chupando um picolé, em qualquer lugar e comigo ao leito... Mandou o meu pai ( seu sogro!) tomar naquele lugar( impublicável!), em função de uma discussão sobre o número da chuteira do Rivelino... Queria sexo selvagem e um dia fui parar no pronto socorro, pois o desgraçado tinha me chicoteado insanamente...
Foi fazer análise e dormia nas sessões e ele jurava que quem dormia era o analista... Pediu demissão da repartição e disse que deveríamos mudar para Visconde de Mauá, onde o movimento de vida hippie era o melhor para nós.Não fui,pensando em nossas duas filhas.
Mudou-se de mala e cuia. Seu cabelo e barba eram imensos, que faziam as crianças dormirem na hora, pois, maldosamente, os pais (vizinhos) diziam: -" Pega ele (a) seu Nori!!"..
Foi viver com a natureza. Vivia de artesanato. E, nunca mais voltou. Diziam-me que teve todos os casos femininos no local em que vivia,quando completou o ciclo amoroso da comunidade, cansou-se. Enamorou-se por uma cabloca da terra, casada, sendo ameaçado de morte. Mudou-se, sem dizer o destino.
Eu também, importunei-o com problemas como: a faxineira faltou, o sindico quer falar com vc. Sobre o problema de nossa filha que fez xixi na portaria, sua tia faz anos amanhã, etc., etc.
Engordei. Voz esganiçada, sempre nervosa. Não tive paciência com ele e dediquei-me vorazmente ao trabalho, pois aceitei o trabalho em uma loja de tirar xérox, perto de casa, e ganhava pelo número de cópias tiradas.
O grande orgulho foi a educação e cultura, que demos as nossas filhas, apesar de tudo.
A primeira, Fran ( isso mesmo, Fran, idéia da mãe do Nori, pois as abreviações estavam na moda), estudou Ciências Políticas, orientada pela avó paterna.É muito bonita, modéstia á parte ,parece comigo.Fez mestrado aqui e doutorado na França. Lá com a falta de emprego, prostitui-se. Progrediu na profissão e hoje tem o melhor prostíbulo da região. Todo verão a visito em seu castelo do vale do Loire. Um luxo!
A segunda Stal (isso mesmo,Stal, idéia de meu pai esquerdista á época, antes de ficar rico e proprietário), estudou Artes Marciais .Largou o curso, pois quebrou a clavícula do professor , num treino. Tentou o futebol, jogava bem na meia esquerda, mas não deu certo, foi expulsa da liga por ter arrebentado com os dois (!) bandeirinhas, um em cada tempo, por discordar de um impedimento seu e o jogo estava 4 a zero para ela e era o jogo final do estadual...
Tem uma famosa Academia, junto com a esposa. É feliz e está adotando uma criança como pai.
Breve serei avó.
Quanto a Nori, todo mês levo maçãs Fuji( ele adora!) no Hospital Psiquiátrico, pois está passando uma temporada( dizem os entendidos(serão?)... que é rápido),pois anda escutando vozes que lhe dão conselhos de como salvar a humanidade...
Então, nesse breve relato, aconselho aos meus inúmeros leitores que cuidem do amor, este é importante. O casamento é um contrato comercial, precisa até de várias testemunhas...
E, "família serve só para tirar retratos"... Já dizia minha bisavó Katchuscaya na Bessarábia, e, como vivia só, gabava-se de poder ir ao banheiro de porta aberta, dormir em cama de casal, virando e se revirando à vontade... "No início é meu bem, depois meus bens!!..."vociferava. Ela era dada como viúva, seu marido soldado, foi à guerra de 1914 e não voltou (dizem que foi visto em Stalingrado, depois da guerra, fazendo programas sexuais...). A querida e saudosa bisavó escrevia-me aconselhando a ir às ruas, portando faixas: "Solitário unido, jamais será vencido!" "Solitários do mundo todo, uni-vos!" Ela tinha estudado o primário com Lênin, nas frias estepes soviéticas. “Teve inúmeros casos amorosos, com outros solitários”. “Cada um na sua casa, assim dá mais tesão, pois vamos tirando a roupa, assim que nos vemos...”, dizia.
Terminou seus dias num convento de freiras enclausuradas, logo após a Perestroika.
Termino com a frase do maior dramaturgo do Ocidente:"O casamento é o túmulo do amor."
E, aqueles, que já foram para o cadafalso comercial, amem-se de verdade!!

f.a.

sábado, 2 de maio de 2009

Belos e belas



Humanos/desumanos:

Convidada a um chá beneficente, na majestosa casa de J.C., cuja arrecadação total, seria para os pacientes com HIV. Fui, é claro.
J.C. recebeu-me com aquela fidalguia digna dos nobres do século 17.Lembrou-me a figura do imortal Oscar Wilde. A casa, de um finíssimo bom gosto; quadros, gravuras, móveis finos de época. Era fim do outono e já fazia um pouco de frio, daí termos fugido da pérgula da piscina de azulejos espanhóis, cercada por um belíssimo jardim da era vitoriana. O ambiente era agradavelmente brilhante. Conversava-se baixo e ouvia-se mais o crepitar da lareira.Podia-se também ouvir um clássico de Bach ao longe.
Na aconchegante sala, uma seleta platéia de gays, lésbicas e simpatizantes(onde aí me enquadro, talvez certamente por pura covardia...J.C. sempre me diz, quando me encontra:"...-F. A.,vc. não sabe o que está perdendo!!..".), em volta de uma enorme mesa de carvalho rústico,iguarias em louça tcheca e copos belgas de cristal, as cadeiras eram trabalhadas, duras, mas confortáveis.Incenso indianos, de perfume leve e embriagador abrigava o ambiente.Velas bruxuleantes paquistanesas na grande mesa.Era uma claridade suave e confortável. E, é claro, garçons jovens e morenos, vestidos de Summer-jacket e luvas brancas, saracoteavam pelo salão, oferecendo acepipe e bebidas da Escandinávia, dignas de uma grande festa ao deus Baco em Roma, mas com uma diferença marcante: em silêncio, com discrição e dignidade, pois da mesma maneira que surgiam e serviam,sumiam como por encanto.
A pequena e seleta multidão, falava dos mais variados assuntos: música erudita, livros de autores renomados, peças teatrais, pousadas e hotéis nas montanhas, comidas exóticas e, claro, não poderia faltar: o amor!!...Em todos os seus aspectos e nuances.
Reparei que só assuntos agradáveis e interessantes eram ali abordados.
Estava em silêncio, observando um casal de lulus da Pomerânia , descansando sobre um tapete persa, quando J.C., quebrou aquele doce murmúrio, e pegando um talher banhado a ouro, bateu levemente na taça de vinho de cristal belga, exclamando:
-" Queridos e queridas, nossa amiga F.A. , cinéfila e amante da sétima arte, dirá com muita propriedade as mais belas atrizes e atores do cinema mundial!!..." E, dito isto soltou um pequeno grito de euforia, o que foi seguido, com palmas nervosas...
Confesso que fui pego de surpresa e minhas mãos começaram a suar. Não poderia e nem deveria decepcionar tão seleta platéia. Levantei-me, sob aplausos delirantemente educados.
Um silêncio sepulcral abraçou aquele ambiente, adornado pela luz das velas.
Agradeci as palavras de J.C., a confiança de todos e fui direto ao assunto:
- Ava Gardner é a minha deusa.E, é claro Gina Lollobrigida( alguém gritou :-"Trapézio!"), Rita Hayworth(:- "Gilda!"), Kim Novak("Picnic!),Ingrid Bergman( "Casablanca!"), Marilyn Monroe( "Os desajustados!"),... ia continuar quando J.C., interpelou-me com leveza: "...e, quanto aos homens? "Sem deixar de suspirar profundamente e sorrir nervosamente com os demais...
-_ Esse, não tenho dúvidas que é o eterno William Holden("Picnic...Suplício de uma Saudade"... murmuraram outros),respondi. Aliás ,frisei, colocaram vários atributos físicos de todos os atores lindos e famosos no computador, lá deles, e não deu outro...Arranquei suspiros.Eu, confesso , fiquei emocionada.
-"E,quanto as atrizes novas?". perguntou-me novamente J.C.,criando novo frisson.
Respondi, agora mais confiante: -Scarlett Johansson(-"Barcelona,Vicky e Cristina..."sussurrou alguém.
A festa prosseguiu maravilhosa e deslumbrante, sorvendo licores franceses, agora sob um céu estreladamente soberbo.
Dançamos um tango no final: "El dia que me quieras" na voz imorredoura de Carlito Gardel.
O lindo, educado e vestido a carater motorista de J.C. fez questão de nos levar em casa,em seu cabriolet grená ,dado ao adiantado da hora.
Dormi feliz e acordei radiante com o sol da fria manhã.
f.a.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

01 DE MAIO


Humanos/desumanos:

Comemora-se o 01 de maio.
Meus parabéns à profissão mais antiga ( pelo menos é o que se diz/escreve) do mundo: as prostitutas! A elas a nossa admiração e por que não o nosso respeito. Escutei falar( não sou teóloga) que no reino dos céus, serão as primeiras a entrar...
Elas fornecem os seus corpos e dão prazer a quem as procura,não perguntam nada, não exigem nada, inebriam os homens com os seus corpos, suas fantasias, suas luxurias...
A elas, a nossa admiração neste dia. Labutam diariamente e seu trabalho, nem sempre aceito, por uma sociedade hipócrita, que as combatem ás claras e na escuridão e na  calada da noite as procuram...
A elas, o nosso respeito, pois levam o seu sustento para casa( as que tem uma), educam os filhos até as Universidades,sustentam às vezes, outros humanos.
Talvez por falta de emprego,oportunidade, ou quem sabe tendência natural mesmo,ou outra atribuição que me foge no momento, abraçam esta profissão, merecedora de nossa admiração.
Conheço um amigo, que mantém o casamento oficial por 23 anos porque mantém a mesma prostituta, fora de seu lar, em sua vida. Nada mais humano e compreensível.
As NeusasSuelis, personagem ímpar do imortal Plínio Marcos em Navalha na Carne, as nossas homenagens neste dia.
Que personagem marcante foi Maria Magdala( Madalena),sempre fiel e ao lado de Jesus Cristo,até o fim.
Assalta-me a seguinte pergunta: muitas profissões que produzem mentiras, armas para destruição,serão mais dignas daquelas que dão prazer a quem procura tão somente o prazer?...
Eu como mulher, digo e repito: "... quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra!!...”

f.a.