sábado, 11 de dezembro de 2010

PAPAI NOEL





Humanos/desumanos:


Incontáveis leitores suplicam por algo que os faça lembrar a data magna. Assim, fui acordada em minha cama faraônica egípcia, por um avião(pasmem!), que rebocava uma faixa em letras colossais e coloridas, solicitando-me que escrevesse algo a respeito. Já tinha postado anteriormente sobre o tema ( leiam: BOAS FESTAS)
Face à grandiosa manifestação, lembrei-me de um fato marcante ocorrido com meu primo de terceiro grau( haja graduações!), o saudoso Armagedon Atilla Sátiro, vulgo AAS, assim chamado, porque ao mesmo tempo “dava dor e cortava as cabeças...”, como dizia seu velho pai.
Nascido em berço de uma pobreza franciscana, filho único, meus tios colocaram esse pomposo e ostensivo nome (Armagedon Atilla Sátiro) com o intuito de grandeza. Só o último nome vingou. É o que se conta...
O espírito de megalomania acompanhou esta alma danada( inferior). Nem o status de alma atormentada( média) e muito menos a de alma penada (superior), chegaram perto de AAS.
Educado na base de “farinha é pouco, meu pirão primeiro...” ele foi crescendo aos trancos e barrancos. Estudou pouco como pouco era seu interesse pelo estudo.
Teve raras namoradas dada as suas características violentas e satíricas.
Cleptomaníaco contumaz. Raras vezes convidado ás festas. Quando ia, os donos da casa sentiam falta de inúmeros objetos. Na última que freqüentou, roubou toda a prataria e louça do aniversariante. De um cinismo deslumbrante, negava com uma certeza positiva, daí seus dons teatrais aflorarem e numa feita, surrupiou toda a roupa e adereços dos colegas de palco. Pouco confiável, foi crescendo e seus atributos fizeram-no candidato a vereador, pelo pobre bairro.
Teve menos votos que o número de familiares, que juraram votar nele.
Semi-analfabeto, foi gari de rua um tempo. Até sentirem falta do material de limpeza do bairro que servia. Ajudante da paróquia local, até sentirem falta dos copos de prata, onde o padre bebia o vinho. Roupeiro do time local, até que o time entrou em campo de terra batida com quatro atletas descamisados. Enfim AAS dava muita dor de cabeça.
Preso inúmeras vezes, é claro, ficava pouco tempo e saía da prisão com alguma lembrança. A última foi com a caneta de estimação do delegado, que até hoje chora a perda.
Chegava o Natal. AAS engordara, e soube da procura por um Papai Noel num famoso shopping próximo. Com uma falsa simpatia ganhou o cargo. Tirava fotos com as crianças, de olho nas mamães. Ainda bem que usava roupas de tecido espesso..
Estava agradando. Cumpria a contento o seu papel de Papai Noel.
Os anos foram passando e Sátiro ia travestido na aparência e na vestimenta com aquela roupa vermelha, pesada, para um clima diferente do nosso.
Todo ano a mesma representação.
Ocorre que nos intervalos natalinos, Sátiro estudava e alfabetizava os carentes. Com isto, ia se mantendo às duras penas. Lia vorazmente, o que havia de melhor em filosofia,antropologia, ciências políticas, sociologia, psicologia, história, educação, etc. Um verdadeiro auto didata. Foi emagrecendo, talvez de tanto estudar e pensar. A sua função de Papai Noel foi perdendo a graça para o próprio.
Finalmente, após muitos anos de sucesso, como Santa Claus, naquele 24/12/2009, às 17 h 10m em pleno shopping fervilhante,deu-se o fato:
AAS(Sátiro) levantou-se da cadeira de Papai Noel( felizmente, sem nenhuma criança no seu colo naquele momento, pois antes centenas delas tinham tirado felizes à clássica foto) e deu um grito gutural, medonho, ensurdecedor.
O tempo parou naquele momento. O tempo era só dele. À medida que se despojava da maquiagem, das brancas peruca e barba, ia retirando as torturantes botas, casaco e calça vermelha. Retirou a única peça íntima. Ficou como veio ao mundo, mostrando a verdadeira prova de seu nome. Sob olhares atônitos e petrificados da platéia, que agora já aplaudia e gozava o momento.
E, disparou:-“ É tudo uma farsa! Farsa! Eu sou o maior farsante! Minto! Vendo ilusões! Engano as crianças! Vocês são hordas de alienados, que só sabem comprar! Consumir! Vorazes consumidores! Mentirosos! Hipócritas! O amor deveria ser todo o dia! A miséria está aquí dentro! O Natal é um comércio, onde a doença desenfreada é o presente que compra a felicidade! Qual? Aquela que...”. Não completou.
Sátiro( AAS) foi arrastado dali por fortes seguranças, que rápidamente o amordaçaram, cobriram-lhe as partes com trapos, sob uma estrepitosa vaia popular.
Rapidamente, um segundo Papai Noel o substituiu. O alto falante anunciava uma promoção “imperdível”, várias vezes. Flocos de neve artificiais caíam do teto. Uma nova música natalina inundou o shopping.
Soube deste triste fato por meu primo Alihenatus( leiam Feriadão), que com a esposa Neganadah e seu filho Alihenatus Jr. estavam por coincidência no Shopping e não fizeram nada, alegando estarem com mais presentes do que braços... Se fossem polvos...
AAS(Sátiro) foi levado em camisa de força ao Hospital Psiquiátrico.
Tempos depois fugiu. Nunca mais se soube dele.
Alguns dizem que trabalha, com êxito, como crooner numa boate, dada a potencia da voz, iniciada naquele dia de Natal. Outros juraram que o viram, fantasiado de rena, num comercial natalino.
Nada foi provado.
f.a.

sábado, 6 de novembro de 2010

AMORES ATEMPORAIS.







Humanos/desumanos;

Meus incontáveis leitores( não param de crescer!) me abordavam constantemente, quer nas filas dos bancos, nos caixas de supermercados, nos táxis, nos restaurantes, nas casas de chá, nos cinemas, nos teatros, etc.etc.(-"que país é este de tantas filas?!...").Não vejo a hora de ficar idosa, para ir para fila dos mesmos... Enfim, os inúmeros leitores pediam para escrever sobre casos amorosos de idosos com jovens.
Não foi muito difícil.
O famoso caso de meu falecido tio Rasputynn ( aquele mesmo do Enterro, leiam!).
Conhecido e chamado carinhosamente pelo seu ardoroso fã clube feminino de putinho.
Tio Rasputynn, lembro-me, iniciou um romance com uma linda mulher bem mais jovem que o mesmo. Foi uma dessas paixões de causar furor. Um verdadeiro frenesi. Ele bem que poderia ser seu pai, quase avô. Dizem que tudo começou no ônibus. A moça, linda, no frescor da tenra idade, sentou-se ao seu lado. Tio Rasputynn( putinho para as íntimas), sentiu aquele cheiro da juventude ao seu lado e iniciou ( mais uma, de seu já vasto repertório) a fatal sedução. Nisso ele era imbatível. Apesar de casado com tia Ameliah, a sofredora e de suas filhas, que fingiam ignorar com maestria o marido e o pai que o destino tinha lhes reservado, tratando-o com respeito e carinho...
E, dali para uma paixão avassaladora, foi uma fagulha. Tio Rasputynn deu-lhe carinho, amor, flores constantes, um teto, onde matavam as saudades que eram de segundo a segundo. Deu-lhe livros para entendesse melhor oque se passava no mundo. Ele mudou completamente, vestia-se como jovem, fazia caminhada com a amada, onde não raro escutava de um grosseiro:-“ Aí titio, se deu bem!...”
Ela, sem precisar fazer o tipo, chamava uma atenção enorme entre os homens, que salivavam à sua passagem como lobos famintos...
Amavam-se. Completavam-se.
Tio Rasputynn colocou um plástico em seu carro: A INVEJA É UMA MERDA.
Tia Ameliah e filhas sempre pensaram que era para espantar os “olhos grandes” e dar sorte a feliz e unida família, pois ele não deixava faltar nada, o que amenizava o tranqüilo ambiente.
Mas, eis que um dia, ou uma noite, as serenas filhas de tio Rasputynn, o encontraram,por acaso, num dancing clube respeitoso. Eles dançavam coladinhos, onde nada mais os interessava. Quando, numa fúria de ciúmes, as meninas, como que combinadas, separaram os dançarinos, e deram uma surra na amante jovem.
Foi rápido demais. Os seguranças do discreto estabelecimento, não tiveram tempo para intervir. A pobre moça foi levada ás pressas para o pronto socorro. Tio Rasputynn sumiu.
Dia seguinte, no café da manhã, nenhuma nota no jornal, provocou um alívio naquela coesa e harmoniosa família, que em momento algum tocou no assunto. Como se ele nunca existisse, sob o silêncio sofrido, odioso e solitário de tia Ameliah, “a mulher de verdade”, como a chamava titio.
A jovem apavorada e traumatizada, não mais procurou tio Rasputynn. Desapareceu. Dizem que é freira num convento de clausura total, no Tibet. Outros afirmam, que é uma famosa stripper em Honolulu. Fica a dúvida.
Dado o avanço da Medicina, titio fazia uso daqueles milagres, que prolongam o furor amoroso.
No caso feminino, titio contava que quando partes do corpo feminino já sentiam o peso da idade, novamente a Medicina era chamada para recuperar o viço, a altivez, a dureza e a maciez das carnes."- A alegria de viver voltava ..."dizia, exultante.
Ele contava e jurava que de uma feita, fez amor com uma mulher, que ia se inflando aos poucos, até chegar ao ponto ideal para ele. Não acreditei. Mas, ele nunca negou.
Pensei em bonecas infláveis, que de mudas, passaram a contar segredos, sibilando, aos ouvidos de titio.
Tio Rasputynn, prosseguiu, como sendo a última reserva moral da cidade, freqüentando profissionais do sexo, com freqüência, até seus últimos dias.
Minha fiel mordoma Goldawasser é favorável que se faça uso da ciência para prolongar o amor, a beleza e relata casos de amores com diferenças de idade em sua terra natal, que duraram a vida toda. Sem preconceitos. Goldawasser diz, com algum sotaque:_" ...mulherr que fala errado, que fez "prástica"no corpo, o amorr acaba mais rrápido do que aquela que fala cerrto..."
Ela mesma teve um amor impossível que mexeu com a comunidade local... Conto nas próximas.

f.a.



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

FUMANTES






Humanos/desumanos:


Uma das pragas humanas é o tabagismo. Além de provocar doenças (descritas em prosa e verso!) terríveis e, diga-se de passagem: os próprios fumantes sabem! aqueles que não fumam, são obrigados a suportar este vício maldito, sentando próximo ao futuro cadáver...

Um conhecido, o Marijuanno Fumaça(coincidência!), querido e chamado pelos alunos de Fumaça, professor de química, afirmava categórico, que fumar cannabis sativa era mais saudável que fumar cigarros, pois enquanto aquele era um “mato fedido”da natureza, este era fabricado em laboratório industrial, sem nenhum contato com a natureza. Fumaça tentou defender esta tese e dos benefícios da dita cuja(“ anestésicos, calmante, fins medicinais, científicos, industriais, etc.”.) em uma Universidade, sendo proibido. Morreu jovem e triste, de enfisema pulmonar.


Eis que, recebi a visita de um primo médico.

Gorgias. Stanislaw Vollodiah Gorgias, para os íntimos Lallaugogó. Ele veio do Nepal, para ficar duas semanas. Conhecer as belezas deste país tropical.

No terceiro dia, fora assaltado duas vezes! Passeando pela madrugada( comum em sua terra), para sentir a brisa do mar.

Primo Gorgias(Lallaugogó) sentiu foi uma espetada de um cano de revólver, chamado carinhosamente aqui de ‘berro’... E, foi entregando tudo!

Ele contou que da segunda vez( e, última!) além de entregar todos os documentos, dinheiro, roupas, meias e tênis, fez “amizade” com o meliante, convidando-o, despido que estava, a visitar seu país, dando endereços, etc. para que o mesmo tivesse toda a segurança em um país estranho... Não achei inusitada tal atitude de primo Gorgias ( Lallaugogó), pois o mesmo pregava a divisão dos bens, o amor entre os homens, a fraternidade.

Quando ótimo estudante de medicina, trabalhava como provador, degustando cafés. Pagou todo o seu curso com este trabalho. Ganhava muito bem. Dizem que o primo Gorgias( Lallaugogó) tem um sentido gustativo e olfativo superior, raro entre os humanos. Não à toa tivesse tido inúmeras namoradas( sem se fixar em nenhuma!), que disputavam aos tapas estas qualidades!... Eu mesma fui uma delas!... Primo Gorgias, revoltado com o sistema econômico vigente, acossado por mulheres ávidas por seus atributos, testemunha de muitas injustiças sociais, etc.isolou-se do mundo. Após uma temporada no Hospital Psiquiátrico, onde de paciente, passou a médico, dado seu notável conhecimento científico, recebeu alta, foi homenageado e rumou para as montanhas do Tibet.

Recebi primo Gorgias(Lallaugogó) em minha mansão estilo normando e dei-lhe o quarto de hóspedes, com banheira semi olímpica egípcia e todos os confortos. Nosso relacionamento era fraterno e muito respeitoso, apesar de um passado tórrido e fugaz. Ele se comportava de uma maneira discreta e educada, parecendo um monge budista. Falava pouco. Era realmente, o filho primogênito de tio Leybowyczwy (leiam: Silencio frio e escuridão!). Tamanho o respeito, que primo Gorgias(Lallaugogó) calçava seus pares de meias, trancado em seu closet!


Passados alguns dias, recebemos um convite irrecusável: Meias de Renda ( assim chamada por ter belíssimas pernas e usar meias de renda, negras, que causavam uma revolução quando as usava: os homens enlouqueciam, assim como seu eterno noivo, que bebia e cantarolava gemendo um infindável tango, para esquecer...) nos convidava para uma peixada em sua mansão. Meias de Renda, era o que se comentava maldosamente,(sem provas, como boato) também teve um breve caso no passado, com primo Gorgias(Lallaugogó) e agora, eram somente bons e respeitosos amigos.

Fomos.

Vesti um básico preto, calcei sandálias plataforma na cor dourada, maquiagem básica, cabelos soltos. Estava mais uma vez deslumbrante. Primo Gorgias, como sempre, discreto: não gosta de usar bermudas, apesar do calor senegalês reinante. Nossa refrigerada limusine presidencial azul profundo nos levou até ao destino, com o motorista paquistanês de luvas brancas, abrindo a porta da viatura , para que saíssemos. Senti que primo Gorgias estava se sentindo incomodado com tanto “conforto capitalista”, como dizia.

Ao entrar na sala, em penumbra( parte fechada e parte pela fumaça de cigarro), Meias de Renda, nos apresentou à Senhora sua mãe, que sentada numa cadeira de balanço, de costas, vestida toda de um preto tumular, lembrou-me o filme Psicose.

Esta nos cumprimentou balançando a cabeça. Não disse e não soube nunca seu nome. Em sua mão pude observar um copo de cerveja. Na outra um cigarro.

As janelas foram abertas para que oxigênio entrasse e tornasse o ar respirável. A senhora retirou-se discretamente.

Conversamos muito e matamos as saudades que eram intensas.

Eis que é chegada a hora do almoço. A senhora entra no recinto, com um copo na mão e o outro um cigarro. Falou e se serviu também pouco.

A peixada estava fantástica!

Meias de Renda disse que fora feita por sua mãe. Eu a parabenizei e ela agradeceu discretamente com a cabeça. Não parava de fumar e a sala foi tornando-se azulada pela fumaça. “Pensei:- Como repetir estas iguarias com este odor?”

Num gesto transloucado e num momento que a senhora se retirou para pegar mais cerveja, peguei o maço de cigarros e escondi.

Ao voltar, agora com mais cerveja, a senhora, num misto de espanto e dúvida, falou pela primeira vez:- “Oi, onde foi parar os meus cigarros?...” E, começou a ficar irritada. Observando que não tinha mais saída, peguei o maço debaixo da mesa, desculpando-me.

O almoço transcorreu calmamente. Foram servidas sobremesas divinas. A conversa fluía. A senhora não estava mais na sala. O café fora servido. Conversou-se mais um pouco e chegou à hora de partir. A noite começava a cair.

Nas despedidas, Meias de Renda me sussurrou ao ouvido: “- Mamãe quer se despedir de vc. Na cozinha.”

Ao ouvir isto, primo Gorgias( Lallaugogó) saiu da sala e desceu as escadas em desabalada carreira. Só vi sua vasta esvoaçante cabeleira perder-se de vista. E, sumiu..

Meias de Renda acompanhou-me até a cozinha, onde a senhora com um copo na mão, trôpega e trêfega disparou: -“Se meu marido estivesse vivo a senhora não sairia daqui viva!... viva!...Entendeu?... Entendeu?...”.

-“Entendi e só me resta pedir-lhe perdão?”... No que ela retomou à carga:- “Sorte sua! Sorte sua! Se ele estivesse vivo, a senhora não estaria viva!...”.,

Num segundo gesto transloucado, retirei delicadamente as sandálias plataforma e ajoelhei-me a seus pés, clamando por perdão!

Meias de Renda, mesmo psicóloga, não acreditava o que estava presenciando e beliscou-se, para ter certeza que não estava sonhando.

A senhora mãe diz:-“ Desta vez passa... mas a senhora quando for aos próximos almoços, indague se os donos da casa fumam... entendido?... entendido?...e, repetia sem parar, baixinho.

“-Sim, balbuciei...”

Calcei as sandálias plataforma e Meias de Renda acompanhou-me gentilmente. Descemos as escadas em silencio. Despedi-me.

A refrigerada limusine azul profundo estava á minha espera com a porta de trás aberta pelo motorista paquistanês.

Primo Gorgias ( Lallaugogó)tinha desaparecido, como que por encanto.

Banhei-me em minha semi olímpica egípcia com sais tailandeses, enquanto baforava ( solitariamente, é bem que se diga!) um cubano autografado pelo eternizado no poder, rindo daquele fenômeno ocorrido.


Dias depois, recebi uma missiva de primo Gorgias( Lallaugogó),agradecendo e desculpando-se de ter ido embora( tinha ido com a roupa do corpo, direto para o aeroporto!), ficado tão somente 05 dias. Pediu-me que mandasse os seus pertences. Assim foi feito.

Dizia a carta, que ele agora se encontrava no Sirilanka. Dando supervisão e aulas na Universidade local, com ênfase em tabagismo e alcoolismo no horário diurno e à noite fazia o que mais sabia e mais gostava de fazer: provador de cigarros e bebidas destiladas de uma multinacional.


f.a.


terça-feira, 31 de agosto de 2010

VALORES MASCULINOS




Humanos/desumanos:

Incontáveis leitores com cartazes ( pensei tratar-se de campanha eleitoral), postaram-se em frente à minha mansão estilo normando, ainda de madrugada( pensei tratar-se de fila para pegar número, para atendimento médico) com o firme propósito de que esta escriba relatasse a reunião havida recentemente, na luxuosa residência de tia Vyborah, sobre o palpitante tema: Valores Masculinos.
Como a minha legião de leitores deve se lembrar, era uma resposta( tia Vyborah, dizia –“vingança já!...”) a Valores Femininos (leiam!), de saudosa memória, já postado.
Muito bem.
Coloquei aquele preto básico discreto assim como a maquiagem. Ao chegar ao jardim oriental de titia, aliás, muito bem conservado, com o frescor de suas fontes e a suave brisa de suas exóticas árvores, senti-me melhor.Fui introduzida ao fino recinto (já descrito em Valores Femininos, leiam!) pelo novo mordomo javanês de titia, criadagem trocada de tempos em tempos, -“quando a ONU muda de presidência, eu mudo aqui também...”assim tia Vyborah dizia.
Aquela estupenda mesa de carvalho canadense, onde víveres e finíssimos acepipes a ornavam. Pude ver um enorme faisão, e em suas entranhas pequenas iguarias, que poderiam ser pescadas por penas coloridas do mesmo.
Nozes, castanhas, passas, avelãs, etc. dos mais longínquos rincões da terra.
Além das clássicas bebidas, também importadas, gigantescos samovares russos de prata ornavam o ambiente, com diversos chás paquistaneses. Tia Vyborah, não fazia por menos. Aliás, tia Bella Mambah( também presente ao evento), dizia aos quatro cantos: “ A riqueza de minha irmã é proporcional à sua maldade!”... e ria.
Á frente desta orgia gastronômica, jovens garçons, morenos e fortes, vestidos a caráter, com luvas brancas. O som reinante: as 4 estações de Vivaldi.
Sentei-me e por maior discrição escutei um grito naquela multidão de mulheres, que tagaleravam sem parar: _ “Floraalma!”... Era tia Bella Mambah, abraçada com seu indefectível copo de vodca, aproximava-se. Cumprimentei-a com um sorriso.
Pude observar que tinha havido um encontro para tratar do tema “ O cunhado pode atrapalhar para sempre o seu casamento, cuidado!” cuja sigla Cupapacacu! tremulava ao vento, escrita em dourado num tecido mandarim azul. Como havia chegado atrasada, não soube maiores detalhes sobre o resultado do intrigante tema. Soube mais tarde, que as mulheres não chegaram à conclusão definitiva, pois algumas confessaram estar irremediavelmente apaixonadas pelos respectivos cunhados, outras eram suas amantes, e deu uma confusão( eram 32 mulheres!), que quase acabou em cenas de vandalismo e pugilato. Como eram senhoras da melhor estirpe da sociedade, ( bem lembrado por tia Vyborah, aos berros!), acalmaram-se.
Os ânimos e paz voltaram a reinar naquele recinto feminino e feminista agora dominado pela Quinta de Beethoven.
Tia Vyborah, pediu a palavra ( sempre foi dela!) e iniciou o “prato principal” da noite:
-“Minhas queridas, estamos aqui reunidas, mais uma vez, para dar a verdadeira resposta a estes homens machistas, que pensam que nós, as mulheres, somos seus pertences, empregadas, objetos sexuais, bancos, etc.etc. Não! Não somos! Somos mulheres e exigimos respeito!”Aplaudida pela seleta platéia, diria ovacionada! Pois tia Bella Mambah já dava mostras do efeito da vodca e pôs-se a falar as suas verdades (lembrei-me mais uma vez:- “O bêbado não mente!” - dizia o maior dramaturgo do Ocidente).
E, continuou:-“ Nós vamos mostrar a estes porcos chauvinistas que também somos gente! Temos sentimentos! Assim relacionei uma lista de Valores Masculinos que escolheremos, a saber: Amor; Amizade; Dinheiro; Sexo, Aparência; Inteligência. Votem com calma, em silencio e em ordem! É uma ordem!” O medo era tanto de tia Vyborah, que foi obedecida, solenemente. As locomotivas socialites iam uma por uma, colocando seu voto, secreto, numa urna banhada á ouro sob um legítimo tapete persa. O silencio era ensurdecedor.
Súbito, tia Bella Mambah dispara: -“ A minha ordem é sexo, sexo, sexo e mais sexo!” E, ria ás gargalhadas, provocando a liderança da irmã. Esta por sua vez, fingindo não dar importância ao escândalo que começava a se armar, tentou de todas as formas calar tia Bella Mambah, que iniciava um discurso, no alto de seus imutáveis 89 anos, digno da mais memorável verdade etílica. E, prosseguia: -“ O que adianta dinheiro, amizade, aparência, inteligência... sem o sexo?” perguntava á platéia ávida por novidades, que quebrou o silencio solene, com aplausos, no início tímido, calorosos depois.
Dois garçons se encarregam de tirar tia Bella Mambah do recinto, sob protestos da turba feminina, que, num gesto solidário, saiu junto com a revolucionária. Eu também aderi ao grupo.
A festa acabou naquele momento. Tia Vyborah teve um ataque de nervos, chutou a urna banhada em ouro, os votos voaram pelos ares. Machucou o pé e precisou se ausentar em seus aposentos. Soube mais tarde, que todos acompanharam tia Bella Mambah em casa e ao chegar ao portão, encontrou tio Zumbyhvivo que a aguardava e sem cerimônias maiores, o beijou tão voraz e sofrequidamente, que foi preciso à ajuda de populares para separá-los. O idoso tio Zumbyhvivo foi levado às pressas ao posto médico mais próximo. Os dois passam bem.
Eu procurei o motorista que sempre me servia. Aquele moreno, de peito havaiano, cabelos lisos pretos, educado, jovem, de terno azul marinho, luvas brancas e sorriso alvo. Ele abriu gentilmente á porta da limusine refrigerada. Passou todo trajeto em silencio, observando-me pelo espelho retrovisor. Ao chegar a minha mansão normanda, ele fez menção de entrar, com a desculpa de um café. Não permiti. Agradeci discretamente o serviço e mandei lembranças à sua esposa e beijinhos nos filhinhos.Banhei-me em minha banheira olímpica egípcia com sais tailandeses. Sorri ao lembrar da reunião( qual seria o resultado?) e de não ter usado a famosa cama catapulta.

f.a.


segunda-feira, 5 de julho de 2010

GOOOLLL!!!





Humanos/desumanos:

Estava passando uma tarde agradável no La Dolce Vita Club, onde descansava após uma partida de golfe, tendo como companhia uma refrescante limonada suíça (com limões autênticos e importados daquelas terras), quando fui abordada pelos sócios do seleto e fino clube.
À beira de sua piscina olímpica de tépidas águas minerais, de um azul celeste, onde corpos cuidados e bem nutridos usufruíam, os distintos sócios pediam,insistiam, para que esta escriba comentasse o assunto do momento: O CAMPEONATO MUNDIAL DE FUTEBOL.
Tentei de todas as maneiras desconversar. Mas, em vão. Meus inúmeros leitores sabem que: política, religião e futebol não se discutem,ensinou-me o tio Leibowyczwy (
leiam: Silêncio, frio e escuridão).
Mas, os pedidos já eram muitos e uma comissão do clube, chamada simpaticamente de VIP( á princípio achei tratar-se de Vips, mas depois um diretor confidenciou-me tratar-se de Vermes y Parasitas, com direito a carteirinha e mesa cativa no badalado bar Dolce Far Niente ).
Eu fui proibida, caso não contasse, de deixar as dependências daquele luxuoso lugar. Contestei, dizendo que não gostava do chamado esporte bretão, não entendia nada, achava chatos aqueles homens correndo atrás de uma bola e três diferenciados: um com um apito à boca e dois outros dois correndo para lá e para cá, nos limites do campo, com uma patética bandeirinha à mão. Eu só gostava de assistir, pela tv. o saudoso e imortal Garrincha dançar a frente de seus adversários. Era hilário e lembrava Carlitos.
Mas, meus argumentos caíram por terra, pois dezenas de sócios, vindos em romaria do campo verdejante de golfe, com uma faixa, feita ás pressas: CONTA! CONTA! Alguns desavisados milionários, chegando ao clube, pensaram tratar-se de abertura de contas no exterior e colocaram-se em fila para tal... O que foi esclarecido.
Pedi um tempo, combinamos no espaço do bar VIP( Vermes y Parasitas). Fui ao bathroom lavar o rosto, o colo, em suas torneiras banhadas a ouro, bem como as douradas cubas,por onde a água mineral se escoava. Enxuguei-me com toalhas de linho egípcio. Eu estava com o uniforme de golfe, branco e sensual. Ajeitei os longos cabelos dourados, coloquei algum blush importado italiano e retoquei os lábios carnudos com carmesim francês. Estava deslumbrante, pois a minha entrada no VIP(Vermes y Parasitas) criou-se certo frisson.
Com a situação mais calma, dei início a minha narrativa, sob um silêncio ensurdecedor.
“Queridos, ( rico adora ser chamado de querido...), o fato deu-se com meu primo Uthopicus, irmão de Alienathus, aquele da narrativa O feriadão(leiam!). Pois é. Uthopicus era completamente diferente de Alienathus, embora fossem gêmeos. Enquanto que este se deixava levar ( e como!) por qualquer modismo, Uthopicus era um solitário, calado, discreto. Expulso frequentemente (ou melhor, convidado a não se matricular nos períodos seguintes), sob pretexto de perguntar demais em todas as escolas que tentou estudar. Questionava o que já estava acordado, discordava em demasia, discutia o óbvio... Resolveu tornar-se um autodidata... Comprou livros, aqueles que realmente lhe interessariam... Assim cresceu diferente de tudo e de todos.”
Escutei um: -“ que horror...” de alguns VIPs, da atenta platéia.
Uthopicus lia e estudava com profundidade filosofia, política e ciências sociais, enquanto bebia. Dizia que: - “Bebia para esquecer que tinha nascido humano!...” "-O bêbado não mente! Não mente!"... Como profetizava o maior dramaturgo do Ocidente.Claro que não ligava muito para sua aparência, onde uma vasta barba já exibia. Lia os clássicos em alemão erudito.
E, eis que era tempo de mais um Campeonato Mundial de Futebol. As ruas fervilhavam. O povo, em alvoroço total. Alienathus junto. Dizem até que suas roupas íntimas eram todas nas cores do pavilhão nacional, enaltecendo seu inegável e inquestionável patriotismo.
Uthopicus não concordava com a situação. E, numa destas de ver o jogo na rua decorada, ele saiu à rua, trêfego e trôpego. Postou-se a frente da pequena multidão que se preparava para ver o jogo, subiu num banquinho, com aquela dificuldade característica dos bêbados , atrapalhando a visão do telão, comprado pelos moradores, para tão importante evento. Com a voz embriagada( literalmente),emocionada, disparou:
“ - Vocês deveriam pensar melhor! Muitos de vocês não têm saúde e educação dignas! Esta fortuna gasta em quinquilharias insignificantes, poderia servir para melhorar a nossa sociedade! Eu proponho...”.
Antes de completar a frase, Uthopicus caiu do banquinho, sob protestos da massa(“-Cala a boca, burro! - "Infeliz! "- Torcendo pelo adversário! Estraga prazeres! - Argentino!"- Fora”! - Fora!”), e ao tombar, a turba foi ao delírio, gritando: - Goolll!!...”“
Felizmente, Uthopicus nada de grave sofreu, mesmo porque, o jogo ia começar e aquele não era o melhor momento de chamar algum socorro e o pobre infeliz, talvez não fosse merecedor...
O que, a ilustre e elegante platéia, que acompanhava a narrativa concordava plenamente:- “Safado! Comunista! Bem feito, tinha mais é que morrer, o desgraçado!”.
Soube-se que Uthopicus mudou-se para Amsterdam, onde pela manhã é comentarista de futebol, à noite leciona sociologia dos países pobres. Mesmo lá, diz seu irmão Alienathus, protesta contra a falta de problemas, tendo fundado um partido, o PCUT(Partido Contrário Utópico Totalitário), que já conta com 10 membros. Eles estão à procura( está difícil!) do décimo primeiro para formar um time de futebol local, para representá-los... E, dizem que todos são imigrantes...
Por carta, ele diz que “... sente falta do sol, do samba, da feijoada, e segundo Alienathus, desta adorável bagunça!...”.

Escutei alguns gritos: “ - Vai começar!...” - “Vai começar!...”
Era o jogo.
Sentamos confortavelmente para assistir, beliscando algum caviar russo com champagne francesa, entre risos e abraços.
Acendi o meu legítimo cubano ( autografado pelo eternizado no poder) e, em meio às perfumadas baforadas, que se dissipavam e davam um tom azulado ao ambiente, fiquei pensando nestes fatos...

f.a.





sexta-feira, 7 de maio de 2010

DIA DAS MÃES 2...


Querida filha:


“Já estou bastante idosa e muitíssimo enferma, mas não poderia deixar de lhe agradecer as comemorações no dia consagrado às mães.
Filha: o que você anda fazendo comigo, não é coisa que uma verdadeira filha faz. Aí não vai nenhuma cobrança por ter lhe gerado, ter lhe dado o ar que respira a água tão essencial que cobre quase a sua totalidade e a terra que mata a sua fome.
E, amada filha, que você tem me dado em troca?
Poluição do ar, da terra e das águas... a camada de ozônio não existe mais, isto é ruim para sua saúde; as calotas polares estão derretendo pelo aquecimento global, provocando trágicas enchentes; a devastação das florestas é gigantesco (aí mesmo, nesta "terra da fartura", extensa e bonita por natureza, só sobraram cerca de sete por cento da Mata Atlântica, considerada a mais rica em biodiversidade, a Amazônia (pulmão do mundo) só tenho notícias "-... da quantidade de campos de futebol devastados, diariamente..." onde o fato mais marcante é ter como medida a terra devastada.
O importante são as estatísticas, gráficos, etc.etc.
Mesmo na área urbana, onde você provavelmente vive (?), uma simples poda é executada com requintes de perversidade e ignorância. Plantam-se poucas árvores, que não são cuidadas com respeito. Estuda-se a fotossíntese e a prática é outra.
Por mais paradoxal que pareça quanto mais você polui, mais órgãos e siglas exóticas de combate a esta poluição aparecem criados por você.
Joga-se tudo no mar, nos rios. Tudo, até a... bem deixa" pra lá", porque hoje é o meu dia...
Em nome do progresso, você usa praguicidas/agrotóxicos, envenenando à terra, o ar, a água e a você próprio...
Em nome do mesmo, você constrói prédios, adensando cada vez mais...
Onde está escrito progresso, não seria melhor ganância?...
Amada filha, desculpe a revolta, mais eu estou preocupada com as suas gerações futuras (haverá tempo?), que são os seus filhos, netos, bisnetos...
Minha querida, vocês aí na terra vivem de contradições o tempo todo: as mulheres que geram, educam os homens e são as próprias que tem este espírito de mãe (sensibilidade e respeito com a natureza de cuidar e preservar os filhos) e o que vemos?... -Os mandatários são em sua ampla maioria homens (estes mesmos filhos) que maltratam esta mãe que lhe escreve, pois do jeito que as coisas vão, ficarás órfão... É um planeta machista por excelência e o triste resultado está aí.
Filha, lembre-se que caixão não tem gaveta....
Desculpe as mal traçadas linhas e tomar o seu tempo que é precioso demais.
Por tudo isto, por me tratares assim, muito obrigado,"

Com carinho,
Mãe Terra.

PS:"Parabéns pelo dia de sua mãe biológica( ou não!), comemore bem e me respeite depois da festa, que eu espero ter sido mais sincera e menos comercial."

Este texto permanece o mesmo,pois você também permanece na mesmice com relação ao Meio Ambiente.
Até quando?...

f.a

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O FERIADÃO






Humanos/desumanos:


Estava eu em minha mansão estilo Normando, na sala com odor de carvalho canadense, lendo Erasmo de Rotterdam, ouvindo Chopin, o prelúdio no. 15,quando escuto gritos provenientes do exterior, que me tiraram deste oásis de quietude e beleza. A minha eterna governanta Goldawasser, bate com leveza á porta e anuncia: -“Senhora, o pessoal da TV chegou. Estão na sala de reuniões da casa.”.

De fato eu não tinha esquecido. Olhei o relógio de pendulo, de mármore de Carrara, com ponteiros banhados a ouro e vi que havia um atraso de 19 minutos, compreensível com a cultura vigente.

Desci as escadas de granito esloveno rosa escovado. Tinha me preparado para aquela ocasião, coloquei um básico, sandálias de couros crus, maquiagem simples, algum blush, baton na cor carmesim, cabelos soltos.

Entrei na sala, cumprimentei á equipe, que formada em sua maioria de homens, extasiada com a minha presença, fazendo um silencio tumular. Sentei-me e ao cruzar minhas belas pernas, tive a sensação de ser devorada por lobos famintos, que salivavam... Solicitei que diminuíssem a luz face ao calor reinante. Não fui atendida. Pediram-me que olhasse pouco para as câmeras e piscasse o mínimo necessário. Alguém gritou: -"Luz! Câmera! Ação!"

E, comecei á narrativa, fato este ocorrido com o meu primo Alihenatus, quando reuniu á família,para passar o feriadão na praia:

-“Alihenatus, nunca deixou para trás qualquer novidade. Seja ela de origem das mais diversas. Ele consumia tudo, sem pestanejar. Considerava-se assim, estar in nas novidades, que eram muitíssimas, visto a dinâmica dos meios de comunicação. Ele não ficava nunca out das coisas que o cercavam e o consumiam. Era uma grife ambulante, da cabeça aos pés. E, não seria nestes dias de feriados, que ele, sua sempre risonha mulher Neganadah, seu filho único Alihenatus Jr. ( grifinho para os amigos da escola) deixariam passar em branco o feriadão na praia, um belo distrito isolado, de um Município famoso. -“ O place é acanhado, mas tem de tudo, é fashion”, afirmava, enquanto estourava no ar, pela boca, uma bola de chicletes importado.-"O Tom Jobim dizia que o melhor da viagem é quando todos retornam."... -"Mas assim não tem graça, devemos ir com todos!"...enfatizava, como dono da verdade fosse...

Retirou o carro da moda da garagem, colocando um CD e pôs-se a ouvir uma espécie de rap, de gosto duvidoso, que àquela hora da manhã (seis horas), acordou certamente a vizinhança, machucando ouvidos mais sensíveis. As batidas de marcação do som, pareciam canhões enfurecidos numa guerra imaginária,onde os tímpanos eram as casamatas...”

A pequena e importante platéia, ouvia atentamente e começava a sorrir atrás das câmaras.

-“Ao abrir á porta do veículo, viu entrar, taciturna, sua sogra Mhegherah, dois amiguinhos de Alihenatus Jr. (os gêmeos vizinhos Pen e Telho). Neganadah vinha com Devasso, velho papagaio de estimação, só aprendia e falava obscenidades, numa mão, na outra um felino de tão feio que era, tornava-se diferente, o gato Tirasono, quando fazia sexo, em cima do telhado , o bairro ficava sem dormir até a manhã seguinte. O cão Adão, ficou com uma vizinha, pois a moderna viatura não comportava tanto.”.

Os risos já aumentavam, já eram gargalhadas. Eu mantinha o clima frio e distante, o que dava, acho eu, mais graça aquela surreal narrativa. Continuei:

“-Após colocarem víveres, isopores de gelo, roupas, malas, alimentos para os animais (Devasso e Tirasono, que se detestavam!), bicicletas, aparelhos de academia (Alihenatus e Neganadah freqüentavam a da “onda”), colchonetes ortopédicos, partiram.

Alihenatus Jr. pediu para abaixar o som (ainda altíssimo), pois queria brincar com seus inúmeros aparelhos eletrônicos importados , no que foi atendido. Mhegherah cochilava. E, só foi acordar horas depois. Depois de um engarrafamento monstro. O carro não andava e Alihenatus e família estavam no meio da ponte, no vão central. O calor era sufocante. A moderna viatura apresentava falha na refrigeração. No que Mhegherah abriu inadvertidamente o vidro do carro, após um odor característico de flatulência ter tomado o ambiente, o horripilante gato Tirasono, se atira, desesperado para o exterior. No que, o papagaio Devasso dispara:- “pqp!! pqp!!” E só pára de se manifestar, quando Alihenatus Jr.( grifinho) lhe dá um tapa que o joga longe, no fundo do carro.

Horas depois, eles re-iniciam, vagarosamente, a jornada.

Agora, estão parados e o sol a pino é inclemente. O ar do carro parou de vez. Cheiros de alimentos começam a ser sentidos. As portas são abertas e Megherah que parecia dormir, caiu para fora. Teve um mal súbito, mas recuperou-se. Começaram a se desfazer dos alimentos. E, viram que Pen, irmão do Telho tinha sumido!!

Apesar da procura, o papagaio Devasso, achava-se em lugar incerto e sem paradeiro. O mesmo para o gato “suicida”Tirasono. Neganadah começou a vomitar, chamando o “Raul”, inúmeras vezes. O clima é desesperador.

Instantes depois encontraram Pen (estava no acostamento da estrada, bebendo água), para alegria do irmão Telho.”.

Talvez a coincidência dos fatos relatatados provocasse tanto riso na ávida platéia.Uns pediram para ir ao banheiro. Aguardei e reiniciei:

“-Finalmente, após 12 horas de viagem, chegaram.

Neganadah, recuperada (em termos) e mais magra, começa a ajeitar a casa, cujas paredes, estavam decoradas... com mosquitos!...E, para culminar, não tinha água, dada à multidão que procurou o lugar da moda... Precisavam de um banho, é claro, e foram ao mar que era próximo.

O banho deu-lhes força... para voltar!

Esta foi a melhor solução, pois com tantos problemas, este seria o mais sensato e a estrada estaria mais livre. Voltaram com aquela areia coçando e irritando as partes mais sensíveis do corpo...

Alienathus, sem esconder alegria, dizia e repetia: -"pelo menos foram ao local que estava bombando no pedaço..."jactava-se.

Chegaram de madrugada. Neganadah, só ela, retira o que sobrou na viatura. E, exaustos entregam-se aos braços de Morfeu...

Eis que, momentos depois, o silêncio é cortado por uma voz conhecida:-" Feri Adão! –Feri Adão!" Sim, Devasso estava salvo e vivo! Não se sabe se estava se referindo de maneira provocativa ao cão Adão( que tinha ficado) ou a de maneira irônica ao infeliz convescote... Outro ruído, este sim, de arrepiar, foi o do sexo entre gatos, no telhado ,já conhecido pelo bairro. Tirasono tinha sobrevivido e estava em forma!!...O cansaço era tanto que não se deram ao trabalho de ir ver. Dormiram felizes pelas notícias sonoras. Os mistérios de como os bichanos se salvaram nunca saberão, quem sabe, até o dia que Alienathus comprar ( em 120 prestações, já estava nos planos... ”!) uma engenhoca importada,que era a sensação do momento, apresentada na sua TV de 60 polegadas, que desvenda o passado e prevê o futuro...”.


Fui aplaudida pela simpática equipe. Pedi a minha governanta Goldawasser que servisse para todos um chá paquistanês, com bicoitinhos vienenses.

Agradeci e retirei-me para os meus aposentos onde Noturnos de Chopin me aguardavam.

f.a.


quarta-feira, 31 de março de 2010

O ELEITO





Humanos/desumanos:

Levei os meus lulus da Pomerânia, Vitty y Liggo para o costumeiro passeio matinal, às sextas feiras nas imediações de meu bairro, onde ainda (até quando?) existe uma área verde, pequena e cercada de prédios. Às terças feiras é a vez dos meus gatos da raça Chartreux, uns amores, chamados carinhosamente (mas de um mau gosto extremo, nomes estes, dados por tia Vyborah, ex - dona, que me presenteou) de Catarro e Escarro.
Vitty y Liggo adoram e ficam por demais excitados, quando eu lhes perguntei em espanhol: -“Si quieren salir...”.
E, saímos: eu com um short branco, contrastando com minhas bronzeadas pernas, belas e torneadas, uma blusa básica tipo tomara que caia e sandálias baixas de couro cru, cabelos ao vento da manhã, sem nenhuma pintura no rosto primaveril. Óculos escuros e boné ouro velho, presente de tio Leibowyczwy (aquele mesmo do post Silencio, frio, escuridão, leiam). Claro, voluptuosamente atraente e com aquele frescor feminino,que são as minhas características, fui perseguida por olhares tarados masculinos que caminhavam a esta hora no parque. Eram poucos. Se fossem só tarados... Mas como são também burros, fica impossível!...
Chegamos ao parque. Vitty y Liggo pulavam de alegria, rabos balançando, uma felicidade. Pouquíssimas pessoas no parque, o que me fazia bem, pois breve estaria repleto de humanos que com suas mazelas, tirariam certamente a paz daquele oásis, em vias de extinção.
Sentei-me num banco duro de madeira e recostei-me no mesmo. Como é bom, para o corpo, um banco duro! Vitty y Liggo brincavam nas imediações, aproveitando o espaço e a liberdade.
No banco, pude perceber a presença de um senhor . Usava grandes óculos escuros e chapéu, não dando para perceber claramente suas feições. Parecia esconder-se. Mirou-me e com um sorriso algo triste, cumprimentou-me, oque respondi. Ele aproximou-se e iniciou-se o diálogo:- “Belos animais.” Agradeci. “-Gostaria de ser um deles,” murmurou. “-Não entendi” (pensei em voz alta).
E, o homem começou a contar sua triste sina, como se desabafando:- “Veja bem a senhora a minha situação: Sou um derrotado nas urnas! O povo não sabe votar. Eu, que dei tudo de mim, para o bem estar da coletividade.
Lutei muito até chegar aqui. Muito jovem, fui voluntário durante muito tempo numa comunidade de fé, e expulsaram-me (injustamente, creio eu), pela falta das verba, que ia sumindo, sumindo, das conta da congregação. Essas verba eram para os desfavorecido pela sorte. Eu era o tesoureiro.
Depois, com a popularidade, naquele meio religioso, reconheceram o meu valor e fui eleito representante do povo, com maciça e expressiva votação. Aí, empreguei familiare e amigo (dei emprego! renda! entende?) em meu gabinete. Está certo que não fiz muita coisa pelo social (saúde e educação), mas nome de logradouro público, parada de coletivo e indicação para diproma e medalha, era comigo mermo!
Onde tinha festividade, lá eu ia prestigiar. Claro, presidi a Comissão de Finança e anos depois, descobriram um rombo na mesma, injustamente. Não provaram nada, certamente foi obra da oposição invejosa com o meu sucesso com o povo.”.
Fez-se um silencio. Suas confissões pareciam um discurso e eu era a sua solitária platéia. Não sabia o motivo (ou talvez soubesse), eu não conseguia encara-lo de frente, olhava para os meus cães e de perfil o ouvia.
Ele retomou: - “Foi então que esse povo, por quem eu dei tudo e nada pedia em troca, desgraçadamente, traiu-me! Fiquei no poder muitos ano, será que por ter colocado e inaugurado praca de rua, enviando pipa de água, praca para festividade, prestigiado o esporte a cutura, etc. E, qual foi a resposta do povo: nas eleição, perdi por mísero 69 votos! Injusto, mal agradecido e ingrato povo! Logo eu, que freqüentava as comunidade carente, só em véspera de eleição, que prometia (embora não cumprisse, pois não dependia de mim!) a felicidade. E, a felicidade, para eles, minha senhora, só Deus, e eu não sou Deus (embora parecesse!). Outra coisa, (e, ficando de pé, disparou):-“ Aos amigo tudo, aos inimigo, a lei!”Dizia esta frase como se fosse o mais importante e definitivo legado cultural de sua existência. E, prosseguia colérico:
“-Agora, fico restrito a quatro aposentadoria (eu acho pouco pelo duro que eu dei!) que graças a Deus, dá para ir levando. Eram quatro emprego e como poderia estar nos quatro ao mesmo tempo? Impossível, entende?... Estou muito triste, tenho renda, mas não tenho o poder, entende? Estou em negociação com o meu suplente, um esquema bem planejado, mas nada certo ainda, nada certo ainda, para a volta de minha vitoriosa carreira,degrau por degrau, voto a voto... quem sabe até a presidente...uma bocada!... O que a senhora achou disto tudo? Não mereço uma segunda chance, hein...?” Percebi claramente, que o meu “nobre” orador, desconhecia completamente o plural das palavras, concordância verbal e nominal!
O seu cinismo era incomensurável!
Fez a pergunta, tirando o chapéu e os óculos escuros. Eu não o encarei. Procurei por Vitty y Liggo, que terminavam de fazer as suas necessidades. Levantei-me, sem me despedir ou olhar para aquele homem, guardei no saco plástico as sujeiras caninas e ao passar por aquele infeliz, sem olhá-lo, deu-me vontade de jogar em cima dele o que tinha às mãos. Sorte dele. Sou uma mulher fina. Maior sorte, que não eram os meus gatos franceses Catarro e Escarro de raça Chartreux, pois o odor é insuportável..
Foi um caso raro: o contador de história ter sido outro, e eu, no papel de desventurada ouvinte.
Cheguei à minha mansão estilo normando e fui direto para a minha banheira semi-olímpica egípcia. Acalmei-me com sais paquistaneses e óleos tailandeses, ouvindo O Moldava de Smetana.

f.a.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

CARNAVAL




Humanos/desumanos:


Meus incontáveis leitores pedem, através de centenas de milhares de e-mails, ou na rua com cartazes, outdoors, seja nos elevadores, ou por meio de cartas, bilhetes, faxes, etc.etc... que eu conte a minha participação no carnaval. Aí vai:

“Fui convidada, para ser destaque na Escola de Samba Me Esgana Que Eu Amo Mais (ESMEGMA), na ala da Comissão Renovadora Educacional Tudo em cima Imagina Não Ter Amor (CRETINA). Apesar de desobedecer aos conselhos de tio Zumbyvivoh, aliás, os mesmos conselhos que me deu quando estive na passeata gay (leiam Passeata Alegre): que aquele não era ambiente para mim, uma perdição, etc.etc. e que ele ia rezar muito para a minha salvação, num mosteiro religioso, um retiro espiritual, de clausura total, segundo suas palavras. Tio Zumbyvivoh, se auto proclamava como a última reserva moral da cidade, e andava exibindo suas medalhas (e, não eram poucas!) recebidas pelas instituições, que zelavam pela moral e pelos bons costumes, como gostava de repetir.

Fui assim mesmo.

Minha fantasia era de cerva imperial, da dinastia Ming, do verão do século 14. Como era verão, todos verão o meu corpo, belo, alto e escultural, pintado de dourado por um legítimo artista descendente daquela dinastia, num duas peças também dourado, tudo em cima de uma sandália plataforma da mesma cor. Na cabeça, equilibrava galhardamente uma galhada vinda especialmente do Oriente , também dourada,que dava voltas, pesada, marcando o personagem da rica fantasia.Acreditem, levei 14 horas, para entrar em cena, entre maquilagem,pintura,as duas peças (made in China),chifres dourados, cabeleireiro/manicuro também orientais.

Eis-me aqui, deslumbrante e deslumbrada,em cima da ala CRETINA.São quase oito metros de altura!Um guincho especial, levou-me para cima. No inicio senti uma leve vertigem, que passou, pois uma chuva leve,apesar do calor, começou a cair.

O samba já começava, pedindo passagem, e eu além de sabê-lo (era de uma letra enorme! do tamanho da duração da dinastia!...), tinha estudado profundamente a história do evento que íamos tentar representar para as autoridades presentes e o povo em geral.

Encontrei-me com todo o high society lá, e não era pouca gente, destaques em geral. Acenos e beijinhos mil, para cá e para lá.

No intervalo, chamou-me à atenção dos garis, que varrendo a passarela do samba, iam dançando, de uma maneira tão bela e harmoniosa, que nós, não moradores da comunidade, jamais conseguiríamos tamanha perfeição, ritmo e beleza de movimentos, tendo como única companhia, uma simples vassoura. Genial. Nem fazendo o curso completo do ballet de Bolshoi.

Mas, era uma apresentação rápida, infelizmente, daqueles humildes servidores públicos.

A ESMEGMA, quinta escola, entrou suntuosa na avenida . Com seus seis mil figurantes, fulgurantes , suas alas fantásticas, seus dez carros alegóricos esplendidos, um luxo! Fogos multicoloridos fizeram anunciar a triunfal entrada na passarela encantada da alegria.

Eu modéstia à parte, brilhava como uma rainha, com as minhas curvas, bem torneadas, em cima daquele carro, que balançava, mas estava firme, mostrando a pujança do samba, na dinastia Ming.

A chuva aumentava, mas refrescava a moçada pintada de ouro, que ia mostrando o seu valor e contando, por meio de versos, a interminável dinastia.

Súbito, meu dourado carro alegórico, passa em frente a um camarote de luxo presidencial e o que vejo: tio Zumbyvivoh, de odalisca ou libélula, não dava para distinguir, pois o carro dava pinotes,abraçado a dois musculosos rapazes!!... Era ele, pois viu-me e mandou-me beijinhos... Estava bêbado.

A chuva aumentava, agora de maneira catastrófica.O que era dourado no meu lindo e torneado corpo , não existia mais. O carro balançava. Trovões,descargas elétricas, o dilúvio. Escuridão total, acabou a luz artificial. A natureza inclemente tirou-me até as duas únicas peças. Eu vi belíssimas “mulheres”, que eram autênticos e naturais homens e vice-versa... A natureza jogou sobre nós, toda a sua fúria. Era o fim do mundo. Lembrei-me de Sodoma e Gomorra.

Pude ver, nos lampejos dos raios, que a turba tinha invadido os refrigerados e requintados camarotes e saciado sua fome, literalmente, em acepipes, iguarias inigualáveis/inimagináveis e bebidas finíssimas importadas, que nem a corte de Luis 15 conhecia. A balbúrdia era total. Uma babel de sons humanos desesperadores.

Súbito um trovão mais forte se fez ouvir. Um estrondo dos céus.

Meu carro partiu-se em dois e eu fui projetada ao solo. Este cheio de água amorteceu minha queda, após um salto mortal tri carpado. Completamente despida, eu pude dar algumas elegantes e nervosas braçadas,no estilo medley, passando por todos os instrumentos da bateria, que boiavam, até a apoteose. Quando me preparava para aportar em terra firme, uma mão foi estendida. Era do Imperador da quinta dinastia Ming, não um ator ou representante, o próprio! Completamente seco, vestido como um imperador (com ênfase nas sedas coloridas!) com todo o aparato e brilho. Fiquei extasiada e quando ele me deu à mão para ajudar,balbuciando "-nota 5"... desmaiei de emoção e cansaço...

Acordei,subitamente, em minha cama egípcia faraônica, suando em bicas.

Coloquei no meu som ultraestéreo As 04 Estações de Vivaldi, e me acalmei"


f.a.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

REPARTIÇÃO













Humanos/desumanos:





Meus numerosos e fiéis leitores abordaram-me, quando comprava víveres na casa de aves, chamada (ironicamente) Liberdade, para o meu casal de idosos periquitos australianos Béria e Gomulga.

Mesmo de óculos escuros, lenço nos cabelos, após a retirada do capacete finlandês dourado, calça e casaco de couro e botas pretas italianas, fui reconhecida. Vestia-me assim, pois saí de moto KZZR 1400 (305 km/h), e cheguei, antes de imaginar de ter chegado!...

Concluí que, quanto mais me disfarço, para fugir dos intermináveis fanáticos admiradores, mais fácil ser reconhecida... da próxima vez vou de Lady Godiva em cima de um corcel branco, talvez assim não me reconheçam...

Mas, os pedidos já se repetiam ad nauseam (!), que após pagar no caixa e ter que dar dezenas de autógrafos, reuni o público, que me pedia para contar a aventura na repartição publica, de nossa heróica e invicta cidade.

Por uma coincidência, ou não, os inúmeros pássaros presos da Liberdade, calaram-se. Fecharam o bico, após o conhecido gerente ter pedido silencio. Intrigou-me tal fato...

Todos se acomodaram na Liberdade, da melhor maneira possível e dei início a surreal narrativa:

“-Meus queridos (suspiros da platéia): Ontem fui à repartição, onde agendei previamente, para entrega de uns papéis, documentos estes, que iriam resolver um problema pendente.

Ao chegar lá, na referida repartição, após ter saltado da minha limusine azul profundo e o motorista hindu Neruskah di Pitibiribah (Nenê para os íntimos) ter aberto a porta traseira, usando sua costumeira luva branca e seu impecável uniforme de motorista de chapéu. Desejou-me boa sorte, com a usual fineza e educação. O calor da rua estava terrível. Eu usava um vestido solto, compatível com a estação reinante, onde minhas generosas curvas e saliências apeteciam os olhares masculinos. Calçava sandálias, do tipo plataforma, ficando numa altura, acima da média.

Entrei na referida repartição, sentei com um numeroso público, que pude notar socialmente heterogêneo. Quando cruzei as bronzeadas e bem torneadas pernas, instintivamente fui alvo de olhares nada discretos. Como a sala de espera estava refrigerada, acordei aqueles que já se entregavam aos braços de Morfeu, dado ao calor reinante no exterior, ao frio local aconchegante e a demora.

Eu desconfiava que muitos ali ficavam em busca de um refrigério,um sono reparador, um oásis...

Lembrei-me do tio Tacarijuh Carrapatosoh Carapiccuh,(tio Tacah para os íntimos),que em tempos passados, alugou uma fantasia de maestro de banda do interior e num cinismo de uma coragem digna de respeito, apresentou-se á mesma repartição como “marechal de infantaria”. E, pelo pomposo nome e vestimenta, foi atendido prontamente, sem nenhum entrave ou burocracia, e seu problema resolvido. Contam, que o chefe da repartição à época, fez questão que uma viatura pública o levasse em casa.

Internado mais tarde, tio Tacah (para os íntimos) é hoje monge no Himalaia.”

Risos na platéia, que acompanhava solenemente a narrativa. As inúmeras espécies de pássaros pareciam acompanhar o relato, em seus respectivos poleiros, num intrigante silêncio... Prossegui:

-“ Na porta de entrada, um segurança, que lia as senhas ou o número do agendamento, para ver a sua veracidade.

A porta é aberta pelo segurança (só ele poderia fazer isto! soube pelo próprio mais tarde...) e uma senhora sai dizendo impropério para o mesmo, que respondia de modo inaudível.

Súbito, vi o número do meu agendamento na tela.

Levantei-me e dirigi-me à porta, sob olhares de lobos humanos, que salivavam à minha passagem, o segurança abriu à porta, sem tirar os olhos de minhas pernas...

-Mesa número 48W! Ordenou, solenemente.

Sentei-me em frente a um funcionário, que falava ao telefone, numa importância tal, que parecia salvar o planeta... Esperei e coloquei os papéis solicitados em cima da mesa. Ele desligou o telefone e sem me olhar, mecanicamente observou os documentos:

_Não!! Não e não!! Vociferou... A Senhora agendou errado, não é comigo... é na mesa ao lado!...sentenciou.

E, como se fosse uma máquina,abriu o computador e lia em voz alta, o que estava escrito no monitor, como se ele também fizesse parte do sistema virtual,frio,sem nenhum sentimento humano.

Eu,argumentei que o agendamento estava certo e que o item 2469WRT, que ele se referia não constava á época do agendamento. O que ele contestou com veemência:- Mas , a partir de hoje ás 16h 33m consta, como à senhora pode ver!...

-Sim, mas como o seu colega está ao lado , para não perder a viagem, eu lhe rogo,poderia falar com ele?...

Depende dele e do segurança...disse com escárnio.

Agradeci e fui falar com o segurança. Este me ordenou que sentasse e foi falar com o servidor da mesa ao lado.Antes que eu cruzasse as minhas belas pernas, o segurança aproximou-se e disse,como um almirante de esquadra, com a voz taciturna e grave:- Pode falar com ele.

Agradeci. Sentei-me e antes de mostrar os papéis ele, friamente, ordenou:

-"A Senhora vai ter que sair e pegar nova senha."..

Resolvi obedecer e lembrei-me do tio Tacarijuh Carrapatosoh Carapiccuh (Tacah, para os íntimos)

Entrei na fila, aguardei e depois de um longo tempo em pé recebi nova senha.

Esperei sentada e eis que surge o novo número na tela.O zeloso segurança abriu a porta (só ele podia, disse-me formalmente) e sentei em frente à mesa pretendida , a 54Z. Ele juntou os papéis, sem vê-los, sem examiná-los sequer e rasgou (!...) a senha , que lhe dei.E, numa velocidade impressionante, talvez quisesse me ver pelas costas o mais rápido possível, deu-me um protocolo, com uma letra digna de médico com pressa...nem ele entenderia sua própria grafia.

Agradeci e despedi-me formal e militarmente do segurança.

A noite já caia.

Minha limusine azul profundo levou-me até a minha mansão estilo normando, onde uma banheira semi olímpica com sais paquistaneses me aguardava.”

Aplausos foram ouvidos oque acredito,tenham despertados os pássaros anestesiados.

Despedi-me de todos, dei novos autógrafos e antes de subir na minha possante moto KZZR 1400 e ligar o motor, escutei as ínúmeras espécies canoras cantando, numa Babel de sons, e em especial de papagaios /araras:

“-TIOTACAAH!!..-CARAPICCÚÚHH!!...TIOTACAAH!... CARAPICÚUHH!!...

f.a.