quarta-feira, 22 de julho de 2009

HUMANOS/DESUMANOS NA LUA


Humanos/desumanos:

Lembro-me daquela noite de 20 de julho de 1969. Eu, meu velho, cansado e sofrido pai à frente da televisão. Era um momento marcante para a humanidade: O homem na lua.
Eu e meu pai não falávamos, não piscávamos. O silêncio entre nós, dizia bem aquele momento. Vimos o homem chegando ao solo lunar, passeando na lua, fincando a bandeira.
Ao final da impressionante aventura, meu pai disparou:-“ Não acredito nisto...”, -“ Não acredito nisto...” Palavras de um religioso, que não queria acreditar no que estava vendo, como que a ciência provocasse os seus valores religiosos.
E, assim como meu pai, até nos dias atuais, uma legião de incrédulos, duvida daquele feito humano.
Eu custei a dormir naquela gloriosa noite. Dúvidas assaltavam meu jovem e inexperiente coração e mente: por que ir à lua? O que fazer na lua?
Será que na terra os problemas cruciais como poluição ambiental, guerras, fome, miséria, educação, saúde, desigualdade social, não seriam suficientes para serem antes resolvidos ou aliviados? Adormeci...

“Escondíamos-nos no porão de nossa casa. Lá fora clarões de bombas e foguetes eram lançados... da lua! A rua estava deserta, o toque de recolher tinha alertado ao bairro, como vinha acontecendo após às 20 horas. O silêncio só era quebrado com os estrondos, que vinha das ruas desertas. A luz e a água eram racionadas e ás vezes cortadas. O caos tinha se instalado em nossa cidade.
Mal dormíamos e nos alimentávamos com grandes dificuldades, pois era difícil ter acesso às ruas. As explosões não cessavam. O barulho era ensurdecedor. E, aconteceu: um barulho no vidro da janela, indicando que alguém se manifestava. Seria algum estilhaço das bombas?... Não. Era de alguém querendo se comunicar ou entrar. Na escuridão e em silêncio fomos nos aproximando da janela para ver.Não conseguimos. O clima era de medo. Tínhamos notícias que as principais capitais do mundo ,tinham sido destruídas. E, agora a invasão seria iminente. O mundo acabava...
Súbito, a janela do quarto abre e seres( humanos?), que não pude descobrir como e quantos eram, entraram naquele quarto, sob o clarão de bombas na rua...
Gritei, desesperadamente com todas às forças...”.

Acordei. Foi um pesadelo.No café da manhã meu pai não falou mais do assunto, embora toda a mídia tenha se ocupado do fato: Homem pisa na lua!
No trajeto para a Escola Normal, eu ia ser professora, apesar de querer ser crooner de boate, pois cantava muito bem no chuveiro do banheiro de casa, imitando as imorredouras Sarah, Ella, Billie. Mas nem pensar diziam os meus pais. Mas, ia pensando no homem na lua, como não bastassem os problemas humanos, como não bastassem o que tinha ocorrido quando o homem branco,que em nome da “civilização” e da “religião”, tentou exterminar a cultura e dizimou milhões de seres humanos, que aqui viviam em harmonia e paz consigo e com a natureza. Duas lágrimas teimaram em descobrir novos caminhos em meu rosto juvenil. Pensei nos bilhões de dollares , que poderiam ser gastos aqui para minorar os nossos sofrimentos.
Neste momento descobri que a humanidade é assim mesmo. A saída era difícil, mas não impossível.
Deixei tudo preparado, escrevi uma carta ao meu amado pai, talvez ele estivesse certo, mas por outros caminhos e parti.
Fui ser hippie de dia, vendendo artesanato e de noite, cantava blues numa boate, no interior, onde as poucas luzes do pequeno lugarejo deixavam que o meu olhar contemplasse milhares de estrelas cintilantes como uma poeira mágica e a lua cheia mostrasse toda a sua beleza: amarela e ainda deserta.

f.a.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

REUNIÃO DE CONDOMÍNIO


Humanos/desumanos:

A vida e o destino me levaram a passar uma temporada no aprazível Vonsekah-Sur-les-Alpes, com inúmeros blocos, altíssimos e situados numa cota (altura) bem superior ao nível da rua.
E, logo no primeiro mês, foi marcada uma reunião de condomínio, com uma maciça e colorida propaganda pelas partes comuns dos 23 blocos.
O meu apartamento 1421, bloco C-U.
C-U porque um quarto estava ligado ao bloco U e a sala e o outro quarto ao bloco C. Mas, a primeira e importante orientação que obtive na portaria do prédio era que eu desse o endereço e colocasse o bloco C ou bloco U, nunca C-U, por motivos óbvios, não ficava bem esta última denominação, pois se tratava de "prédio de famílias de boa índole e educação", como dizia a Senhora Síndica. E que, tinha um funcionário encarregado de separar estas correspondências, tanto do bloco C, como do bloco U. Era uma comunidade heterogênea em algumas idéias e homogênea em certos aspectos, como poderão observar os meus inúmeros e fiéis leitores.
Eu, sempre me mantive recatada e discreta, cumprimentando educada e formalmente as pessoas, quando as encontrava. O pavimento onde esta escriba habitava, tinha nada mais, nada menos de que 24 apartamentos. Era alto e frio, daí o nome: Vonsekah- Sur -les -Alpes. Á noite, as ruas, travessas e becos ficavam desertos e silenciosos, sendo desaconselhável respirar algum ar puro nas imediações. E, era à noite que eu gostava mais, pois a mesma me fornecia destas três preciosidades tão esquecidas hoje em dia: silencio frio e escuridão, que o saudoso tio Leybowizcy tanto amava.
Eu só me ausentava de dia.
E, era de dia que aquela míni cidade fervilhava: dezenas de crianças correndo desesperadamente em busca de espaço e oxigenio, velhos aposentados discutindo em voz alta o futebol e a política, domésticas flertando na portaria com os empregados (muitos) do prédio, visitantes de todas as espécies, cobradores sem fim, inúmeros pregadores religiosos, entregadores de compras, operários de obras, material de obras, reclamações, brigas entre crianças, rádios tocando ruídos de gostos duvidosos num volume ensurdecedor, gritos estridentes de vizinhos se intercomunicando pelas janelas... E por aí vai...
Eis que chega o grande dia (noite), a reunião de condomínio.
Coloquei aquele vestidinho preto básico e fui.
Compareceram proprietários e inquilinos (meu caso) devidamente autorizados pelos zelosos e responsáveis locadores.
A primeira visão foi de uma grande festa: bandeirinhas coloridas, uma grande mesa na frente, onde a Senhora Síndica orientaria os trabalhos, a comissão fiscal. Um número (insuficiente) de cadeiras no meio da sala (salão de festas), pequena para suportar tantos presentes e no fundo uma mesa de salgadinhos dos mais diversos, com refrigerantes. Pediu-se que não levassem bebidas alcoólicas e também não levassem crianças, muito embora visse algumas delas no recinto, inclusive a filha da síndica. Lembrou-me, não sei o motivo, talvez o colorido, a festa, uma convenção norte americana para presidência.
A Senhora Síndica, pediu a palavra e deu início aos trabalhos.
Eu sentei-me no fundo, após acenar discretamente para os conhecidos de vista.
A Senhora Síndica leu a ata da reunião anterior e lembrou-me as casas legislativas: ninguém deu ouvidos: uns conversavam baixo, outros liam jornais, outros bocejavam... outros seguravam as poucas crianças que estavam de olho na mesa dos salgadinhos. Aprovadas as contas do mês, sem questionamentos.
Agora a Senhora Síndica, entra solenemente na ordem do dia. Enquanto lia, fui reparando no seu modo, algo militar. Reparei na sua voz decidida e forte, sempre começava sua fala com o “na verdade...” Era como se a verdade estivesse contida na sua “na verdade...” e, estamos conversados! Como também o seu trajar, um conjunto composto de calça comprida e camisa no tom verde oliva. Era uma mulher de meia idade, um rosto sofredor e notei um pequeno buço em seu fino lábio superior.
Os assuntos eram os mais exóticos (para mim) possíveis:
“O morador do 1321 bloco R, estava se comportando de maneira infeliz, bulinando de modo obsceno(atentado à moral e aos bons costumes do nosso prédio!) a moradora do 1802 bloco D, dentro do elevador às 18h02m. Estão presentes? – Não?!! Na verdade...”.
“A moradora do 1704 bloco E, está vestindo trajes incompatíveis( decote escandaloso! )com a boa norma e conduta moral do nosso prédio”. Está a bela senhorita presente?
-Não?!!Na verdade...”
“Os moradores (onze!) do 2201 bloco W, estão fazendo barulho após as 22 horas, jogando linha de passe, futebol!...”.
Presente alguém do mesmo? –Não?!!-Na verdade...”
“A moradora do 2014 bloco O, cozinha até altas horas e consta ter aberto um restaurante em seu apartamento. Presente a referida senhora? Não?!! - Na verdade...”.
“O morador do 1520 bloco C-reclama que parou (!) o vazamento da unidade superior e, aproveitava esta água para tomar banho, economizando o precioso líquido e que agora é uma água mal cheirosa e, por isso”...
Presente o mesmo? Não?!! – Na verdade...”
"O morador do 101 bloco X, térreo, reclama de que quando da limpeza da caixa de esgoto, em sua área, foram encontrados muitos preservativos masculinos e absorventes femininos, reclama da solitária senhora moradora do 201 do mesmo bloco...
Presente a mesma?-" Sim, responde a idosa senhora. E , diga a este cafajeste que eu não mestruo mais pela minha idade e meu cachorro é castrado e não usa camisinha!! Eu sou pobre, mas sou limpinha!!" Foi uma gargalhada geral, sendo aplaudida delirantemente.
E, por aí ia a reunião até que chegou ao seu momento mais importante:
A permissão de animais domésticos, principalmente cães naquele prédio. Sim, porque eu mesma pude constatar, eram inúmeros, exalavam o odor característico e desagradável, grandes e mal encarados, pequenos e chatíssimos. Várias vezes eu declinava de entrar no elevador, pois um casal (!) de pitt Bull, um rotweiller, um pastor alemão daqueles, um dog alemão, um casal (!) de Bull dog ou um bando de pinsher, poodle, etc. aguardavam-me, no fundo do elevador, sentados e tratados qual príncipes/princesas. O prédio era um canil.
A Senhora Síndica, disse:- “Na verdade... O regulamento é claro:
Na verdade, não são permitidos cães no prédio, artigo sexto, parágrafo 15, inciso 21.”.
Ao dizer isto, após um breve silêncio, a multidão respondeu enfurecida:
“-De maneira nenhuma! Prefiro mandar embora a minha mulher, sogra, etc. do que largar o meu amado Lalau” gritou uma voz masculina. –“Isso não está direito, só debaixo do meu cadáver!” Esbravejou outra. - “A Senhora está brincando, meto-lhe um processo, o meu cão é o meu marido”!
Realmente, era uma unanimidade: todos queriam ficar com os seu cachorros. A confusão, misturada com revolta era o clima reinante.
Após confabularem rapidamente, a Senhora síndica tomou a palavra e disparou:- “Na verdade, tenho uma sugestão: só serão aceitos animais com menos de 40 cm, de altura!” A platéia ficou em silêncio e algumas vozes se fizeram ouvir:-“ E isto aí!” –“ É isto aí! “... Logo a maioria concordou, pois quase todos os cães eram de míni estatura e poucos eram os maiores.
Levantei-me e pedi educadamente a palavra, que me foi concedida imediatamente (notei que quem não fala nada, tem a preferência, talvez por curiosidade geral); -“Boa noite, gostaria de avisar que tenho em casa uma jararaca de estimação, e que a mesma tem menos de 40 cm de altura...” concluí com seriedade e falsidade. No que a síndica retrucou:-“ Na verdade, não tem problema, tendo menos de 40 cm, tudo beleza!”. O que foi acompanhada pela turba, agora feliz: -“Pode! Pode! Pode!...”.
A Senhora Síndica, pediu a palavra: - Na verdade, não mais havendo o que discutir, dou por encerrada a presente reunião deste condomínio! Convido aos condôminos ao nosso lanche. Obrigado e boa noite. ”Dito isto a horda atirou-se vorazmente à mesa, nos fundos. Tamanha era a quantidade de salgados, que reparei que alguns (nem todos!) carregavam bolsas para levar para casa... Uma voz sussurrou-me ao pé do ouvido:-“ Dona Floraalma, aceita um croquete? Na verdade, não está quentinho, mas é fresquinho...”.
Após inúmeros esbarrões, saí daquele local o mais rápido que pude.

Uma semana depois, um caminhão de mudanças tirou-me de Vonsekah-Sur- les-Alpes.

f.a.