segunda-feira, 5 de julho de 2010

GOOOLLL!!!





Humanos/desumanos:

Estava passando uma tarde agradável no La Dolce Vita Club, onde descansava após uma partida de golfe, tendo como companhia uma refrescante limonada suíça (com limões autênticos e importados daquelas terras), quando fui abordada pelos sócios do seleto e fino clube.
À beira de sua piscina olímpica de tépidas águas minerais, de um azul celeste, onde corpos cuidados e bem nutridos usufruíam, os distintos sócios pediam,insistiam, para que esta escriba comentasse o assunto do momento: O CAMPEONATO MUNDIAL DE FUTEBOL.
Tentei de todas as maneiras desconversar. Mas, em vão. Meus inúmeros leitores sabem que: política, religião e futebol não se discutem,ensinou-me o tio Leibowyczwy (
leiam: Silêncio, frio e escuridão).
Mas, os pedidos já eram muitos e uma comissão do clube, chamada simpaticamente de VIP( á princípio achei tratar-se de Vips, mas depois um diretor confidenciou-me tratar-se de Vermes y Parasitas, com direito a carteirinha e mesa cativa no badalado bar Dolce Far Niente ).
Eu fui proibida, caso não contasse, de deixar as dependências daquele luxuoso lugar. Contestei, dizendo que não gostava do chamado esporte bretão, não entendia nada, achava chatos aqueles homens correndo atrás de uma bola e três diferenciados: um com um apito à boca e dois outros dois correndo para lá e para cá, nos limites do campo, com uma patética bandeirinha à mão. Eu só gostava de assistir, pela tv. o saudoso e imortal Garrincha dançar a frente de seus adversários. Era hilário e lembrava Carlitos.
Mas, meus argumentos caíram por terra, pois dezenas de sócios, vindos em romaria do campo verdejante de golfe, com uma faixa, feita ás pressas: CONTA! CONTA! Alguns desavisados milionários, chegando ao clube, pensaram tratar-se de abertura de contas no exterior e colocaram-se em fila para tal... O que foi esclarecido.
Pedi um tempo, combinamos no espaço do bar VIP( Vermes y Parasitas). Fui ao bathroom lavar o rosto, o colo, em suas torneiras banhadas a ouro, bem como as douradas cubas,por onde a água mineral se escoava. Enxuguei-me com toalhas de linho egípcio. Eu estava com o uniforme de golfe, branco e sensual. Ajeitei os longos cabelos dourados, coloquei algum blush importado italiano e retoquei os lábios carnudos com carmesim francês. Estava deslumbrante, pois a minha entrada no VIP(Vermes y Parasitas) criou-se certo frisson.
Com a situação mais calma, dei início a minha narrativa, sob um silêncio ensurdecedor.
“Queridos, ( rico adora ser chamado de querido...), o fato deu-se com meu primo Uthopicus, irmão de Alienathus, aquele da narrativa O feriadão(leiam!). Pois é. Uthopicus era completamente diferente de Alienathus, embora fossem gêmeos. Enquanto que este se deixava levar ( e como!) por qualquer modismo, Uthopicus era um solitário, calado, discreto. Expulso frequentemente (ou melhor, convidado a não se matricular nos períodos seguintes), sob pretexto de perguntar demais em todas as escolas que tentou estudar. Questionava o que já estava acordado, discordava em demasia, discutia o óbvio... Resolveu tornar-se um autodidata... Comprou livros, aqueles que realmente lhe interessariam... Assim cresceu diferente de tudo e de todos.”
Escutei um: -“ que horror...” de alguns VIPs, da atenta platéia.
Uthopicus lia e estudava com profundidade filosofia, política e ciências sociais, enquanto bebia. Dizia que: - “Bebia para esquecer que tinha nascido humano!...” "-O bêbado não mente! Não mente!"... Como profetizava o maior dramaturgo do Ocidente.Claro que não ligava muito para sua aparência, onde uma vasta barba já exibia. Lia os clássicos em alemão erudito.
E, eis que era tempo de mais um Campeonato Mundial de Futebol. As ruas fervilhavam. O povo, em alvoroço total. Alienathus junto. Dizem até que suas roupas íntimas eram todas nas cores do pavilhão nacional, enaltecendo seu inegável e inquestionável patriotismo.
Uthopicus não concordava com a situação. E, numa destas de ver o jogo na rua decorada, ele saiu à rua, trêfego e trôpego. Postou-se a frente da pequena multidão que se preparava para ver o jogo, subiu num banquinho, com aquela dificuldade característica dos bêbados , atrapalhando a visão do telão, comprado pelos moradores, para tão importante evento. Com a voz embriagada( literalmente),emocionada, disparou:
“ - Vocês deveriam pensar melhor! Muitos de vocês não têm saúde e educação dignas! Esta fortuna gasta em quinquilharias insignificantes, poderia servir para melhorar a nossa sociedade! Eu proponho...”.
Antes de completar a frase, Uthopicus caiu do banquinho, sob protestos da massa(“-Cala a boca, burro! - "Infeliz! "- Torcendo pelo adversário! Estraga prazeres! - Argentino!"- Fora”! - Fora!”), e ao tombar, a turba foi ao delírio, gritando: - Goolll!!...”“
Felizmente, Uthopicus nada de grave sofreu, mesmo porque, o jogo ia começar e aquele não era o melhor momento de chamar algum socorro e o pobre infeliz, talvez não fosse merecedor...
O que, a ilustre e elegante platéia, que acompanhava a narrativa concordava plenamente:- “Safado! Comunista! Bem feito, tinha mais é que morrer, o desgraçado!”.
Soube-se que Uthopicus mudou-se para Amsterdam, onde pela manhã é comentarista de futebol, à noite leciona sociologia dos países pobres. Mesmo lá, diz seu irmão Alienathus, protesta contra a falta de problemas, tendo fundado um partido, o PCUT(Partido Contrário Utópico Totalitário), que já conta com 10 membros. Eles estão à procura( está difícil!) do décimo primeiro para formar um time de futebol local, para representá-los... E, dizem que todos são imigrantes...
Por carta, ele diz que “... sente falta do sol, do samba, da feijoada, e segundo Alienathus, desta adorável bagunça!...”.

Escutei alguns gritos: “ - Vai começar!...” - “Vai começar!...”
Era o jogo.
Sentamos confortavelmente para assistir, beliscando algum caviar russo com champagne francesa, entre risos e abraços.
Acendi o meu legítimo cubano ( autografado pelo eternizado no poder) e, em meio às perfumadas baforadas, que se dissipavam e davam um tom azulado ao ambiente, fiquei pensando nestes fatos...

f.a.