terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

CARNAVAL




Humanos/desumanos:


Meus incontáveis leitores pedem, através de centenas de milhares de e-mails, ou na rua com cartazes, outdoors, seja nos elevadores, ou por meio de cartas, bilhetes, faxes, etc.etc... que eu conte a minha participação no carnaval. Aí vai:

“Fui convidada, para ser destaque na Escola de Samba Me Esgana Que Eu Amo Mais (ESMEGMA), na ala da Comissão Renovadora Educacional Tudo em cima Imagina Não Ter Amor (CRETINA). Apesar de desobedecer aos conselhos de tio Zumbyvivoh, aliás, os mesmos conselhos que me deu quando estive na passeata gay (leiam Passeata Alegre): que aquele não era ambiente para mim, uma perdição, etc.etc. e que ele ia rezar muito para a minha salvação, num mosteiro religioso, um retiro espiritual, de clausura total, segundo suas palavras. Tio Zumbyvivoh, se auto proclamava como a última reserva moral da cidade, e andava exibindo suas medalhas (e, não eram poucas!) recebidas pelas instituições, que zelavam pela moral e pelos bons costumes, como gostava de repetir.

Fui assim mesmo.

Minha fantasia era de cerva imperial, da dinastia Ming, do verão do século 14. Como era verão, todos verão o meu corpo, belo, alto e escultural, pintado de dourado por um legítimo artista descendente daquela dinastia, num duas peças também dourado, tudo em cima de uma sandália plataforma da mesma cor. Na cabeça, equilibrava galhardamente uma galhada vinda especialmente do Oriente , também dourada,que dava voltas, pesada, marcando o personagem da rica fantasia.Acreditem, levei 14 horas, para entrar em cena, entre maquilagem,pintura,as duas peças (made in China),chifres dourados, cabeleireiro/manicuro também orientais.

Eis-me aqui, deslumbrante e deslumbrada,em cima da ala CRETINA.São quase oito metros de altura!Um guincho especial, levou-me para cima. No inicio senti uma leve vertigem, que passou, pois uma chuva leve,apesar do calor, começou a cair.

O samba já começava, pedindo passagem, e eu além de sabê-lo (era de uma letra enorme! do tamanho da duração da dinastia!...), tinha estudado profundamente a história do evento que íamos tentar representar para as autoridades presentes e o povo em geral.

Encontrei-me com todo o high society lá, e não era pouca gente, destaques em geral. Acenos e beijinhos mil, para cá e para lá.

No intervalo, chamou-me à atenção dos garis, que varrendo a passarela do samba, iam dançando, de uma maneira tão bela e harmoniosa, que nós, não moradores da comunidade, jamais conseguiríamos tamanha perfeição, ritmo e beleza de movimentos, tendo como única companhia, uma simples vassoura. Genial. Nem fazendo o curso completo do ballet de Bolshoi.

Mas, era uma apresentação rápida, infelizmente, daqueles humildes servidores públicos.

A ESMEGMA, quinta escola, entrou suntuosa na avenida . Com seus seis mil figurantes, fulgurantes , suas alas fantásticas, seus dez carros alegóricos esplendidos, um luxo! Fogos multicoloridos fizeram anunciar a triunfal entrada na passarela encantada da alegria.

Eu modéstia à parte, brilhava como uma rainha, com as minhas curvas, bem torneadas, em cima daquele carro, que balançava, mas estava firme, mostrando a pujança do samba, na dinastia Ming.

A chuva aumentava, mas refrescava a moçada pintada de ouro, que ia mostrando o seu valor e contando, por meio de versos, a interminável dinastia.

Súbito, meu dourado carro alegórico, passa em frente a um camarote de luxo presidencial e o que vejo: tio Zumbyvivoh, de odalisca ou libélula, não dava para distinguir, pois o carro dava pinotes,abraçado a dois musculosos rapazes!!... Era ele, pois viu-me e mandou-me beijinhos... Estava bêbado.

A chuva aumentava, agora de maneira catastrófica.O que era dourado no meu lindo e torneado corpo , não existia mais. O carro balançava. Trovões,descargas elétricas, o dilúvio. Escuridão total, acabou a luz artificial. A natureza inclemente tirou-me até as duas únicas peças. Eu vi belíssimas “mulheres”, que eram autênticos e naturais homens e vice-versa... A natureza jogou sobre nós, toda a sua fúria. Era o fim do mundo. Lembrei-me de Sodoma e Gomorra.

Pude ver, nos lampejos dos raios, que a turba tinha invadido os refrigerados e requintados camarotes e saciado sua fome, literalmente, em acepipes, iguarias inigualáveis/inimagináveis e bebidas finíssimas importadas, que nem a corte de Luis 15 conhecia. A balbúrdia era total. Uma babel de sons humanos desesperadores.

Súbito um trovão mais forte se fez ouvir. Um estrondo dos céus.

Meu carro partiu-se em dois e eu fui projetada ao solo. Este cheio de água amorteceu minha queda, após um salto mortal tri carpado. Completamente despida, eu pude dar algumas elegantes e nervosas braçadas,no estilo medley, passando por todos os instrumentos da bateria, que boiavam, até a apoteose. Quando me preparava para aportar em terra firme, uma mão foi estendida. Era do Imperador da quinta dinastia Ming, não um ator ou representante, o próprio! Completamente seco, vestido como um imperador (com ênfase nas sedas coloridas!) com todo o aparato e brilho. Fiquei extasiada e quando ele me deu à mão para ajudar,balbuciando "-nota 5"... desmaiei de emoção e cansaço...

Acordei,subitamente, em minha cama egípcia faraônica, suando em bicas.

Coloquei no meu som ultraestéreo As 04 Estações de Vivaldi, e me acalmei"


f.a.