quarta-feira, 15 de julho de 2009

REUNIÃO DE CONDOMÍNIO


Humanos/desumanos:

A vida e o destino me levaram a passar uma temporada no aprazível Vonsekah-Sur-les-Alpes, com inúmeros blocos, altíssimos e situados numa cota (altura) bem superior ao nível da rua.
E, logo no primeiro mês, foi marcada uma reunião de condomínio, com uma maciça e colorida propaganda pelas partes comuns dos 23 blocos.
O meu apartamento 1421, bloco C-U.
C-U porque um quarto estava ligado ao bloco U e a sala e o outro quarto ao bloco C. Mas, a primeira e importante orientação que obtive na portaria do prédio era que eu desse o endereço e colocasse o bloco C ou bloco U, nunca C-U, por motivos óbvios, não ficava bem esta última denominação, pois se tratava de "prédio de famílias de boa índole e educação", como dizia a Senhora Síndica. E que, tinha um funcionário encarregado de separar estas correspondências, tanto do bloco C, como do bloco U. Era uma comunidade heterogênea em algumas idéias e homogênea em certos aspectos, como poderão observar os meus inúmeros e fiéis leitores.
Eu, sempre me mantive recatada e discreta, cumprimentando educada e formalmente as pessoas, quando as encontrava. O pavimento onde esta escriba habitava, tinha nada mais, nada menos de que 24 apartamentos. Era alto e frio, daí o nome: Vonsekah- Sur -les -Alpes. Á noite, as ruas, travessas e becos ficavam desertos e silenciosos, sendo desaconselhável respirar algum ar puro nas imediações. E, era à noite que eu gostava mais, pois a mesma me fornecia destas três preciosidades tão esquecidas hoje em dia: silencio frio e escuridão, que o saudoso tio Leybowizcy tanto amava.
Eu só me ausentava de dia.
E, era de dia que aquela míni cidade fervilhava: dezenas de crianças correndo desesperadamente em busca de espaço e oxigenio, velhos aposentados discutindo em voz alta o futebol e a política, domésticas flertando na portaria com os empregados (muitos) do prédio, visitantes de todas as espécies, cobradores sem fim, inúmeros pregadores religiosos, entregadores de compras, operários de obras, material de obras, reclamações, brigas entre crianças, rádios tocando ruídos de gostos duvidosos num volume ensurdecedor, gritos estridentes de vizinhos se intercomunicando pelas janelas... E por aí vai...
Eis que chega o grande dia (noite), a reunião de condomínio.
Coloquei aquele vestidinho preto básico e fui.
Compareceram proprietários e inquilinos (meu caso) devidamente autorizados pelos zelosos e responsáveis locadores.
A primeira visão foi de uma grande festa: bandeirinhas coloridas, uma grande mesa na frente, onde a Senhora Síndica orientaria os trabalhos, a comissão fiscal. Um número (insuficiente) de cadeiras no meio da sala (salão de festas), pequena para suportar tantos presentes e no fundo uma mesa de salgadinhos dos mais diversos, com refrigerantes. Pediu-se que não levassem bebidas alcoólicas e também não levassem crianças, muito embora visse algumas delas no recinto, inclusive a filha da síndica. Lembrou-me, não sei o motivo, talvez o colorido, a festa, uma convenção norte americana para presidência.
A Senhora Síndica, pediu a palavra e deu início aos trabalhos.
Eu sentei-me no fundo, após acenar discretamente para os conhecidos de vista.
A Senhora Síndica leu a ata da reunião anterior e lembrou-me as casas legislativas: ninguém deu ouvidos: uns conversavam baixo, outros liam jornais, outros bocejavam... outros seguravam as poucas crianças que estavam de olho na mesa dos salgadinhos. Aprovadas as contas do mês, sem questionamentos.
Agora a Senhora Síndica, entra solenemente na ordem do dia. Enquanto lia, fui reparando no seu modo, algo militar. Reparei na sua voz decidida e forte, sempre começava sua fala com o “na verdade...” Era como se a verdade estivesse contida na sua “na verdade...” e, estamos conversados! Como também o seu trajar, um conjunto composto de calça comprida e camisa no tom verde oliva. Era uma mulher de meia idade, um rosto sofredor e notei um pequeno buço em seu fino lábio superior.
Os assuntos eram os mais exóticos (para mim) possíveis:
“O morador do 1321 bloco R, estava se comportando de maneira infeliz, bulinando de modo obsceno(atentado à moral e aos bons costumes do nosso prédio!) a moradora do 1802 bloco D, dentro do elevador às 18h02m. Estão presentes? – Não?!! Na verdade...”.
“A moradora do 1704 bloco E, está vestindo trajes incompatíveis( decote escandaloso! )com a boa norma e conduta moral do nosso prédio”. Está a bela senhorita presente?
-Não?!!Na verdade...”
“Os moradores (onze!) do 2201 bloco W, estão fazendo barulho após as 22 horas, jogando linha de passe, futebol!...”.
Presente alguém do mesmo? –Não?!!-Na verdade...”
“A moradora do 2014 bloco O, cozinha até altas horas e consta ter aberto um restaurante em seu apartamento. Presente a referida senhora? Não?!! - Na verdade...”.
“O morador do 1520 bloco C-reclama que parou (!) o vazamento da unidade superior e, aproveitava esta água para tomar banho, economizando o precioso líquido e que agora é uma água mal cheirosa e, por isso”...
Presente o mesmo? Não?!! – Na verdade...”
"O morador do 101 bloco X, térreo, reclama de que quando da limpeza da caixa de esgoto, em sua área, foram encontrados muitos preservativos masculinos e absorventes femininos, reclama da solitária senhora moradora do 201 do mesmo bloco...
Presente a mesma?-" Sim, responde a idosa senhora. E , diga a este cafajeste que eu não mestruo mais pela minha idade e meu cachorro é castrado e não usa camisinha!! Eu sou pobre, mas sou limpinha!!" Foi uma gargalhada geral, sendo aplaudida delirantemente.
E, por aí ia a reunião até que chegou ao seu momento mais importante:
A permissão de animais domésticos, principalmente cães naquele prédio. Sim, porque eu mesma pude constatar, eram inúmeros, exalavam o odor característico e desagradável, grandes e mal encarados, pequenos e chatíssimos. Várias vezes eu declinava de entrar no elevador, pois um casal (!) de pitt Bull, um rotweiller, um pastor alemão daqueles, um dog alemão, um casal (!) de Bull dog ou um bando de pinsher, poodle, etc. aguardavam-me, no fundo do elevador, sentados e tratados qual príncipes/princesas. O prédio era um canil.
A Senhora Síndica, disse:- “Na verdade... O regulamento é claro:
Na verdade, não são permitidos cães no prédio, artigo sexto, parágrafo 15, inciso 21.”.
Ao dizer isto, após um breve silêncio, a multidão respondeu enfurecida:
“-De maneira nenhuma! Prefiro mandar embora a minha mulher, sogra, etc. do que largar o meu amado Lalau” gritou uma voz masculina. –“Isso não está direito, só debaixo do meu cadáver!” Esbravejou outra. - “A Senhora está brincando, meto-lhe um processo, o meu cão é o meu marido”!
Realmente, era uma unanimidade: todos queriam ficar com os seu cachorros. A confusão, misturada com revolta era o clima reinante.
Após confabularem rapidamente, a Senhora síndica tomou a palavra e disparou:- “Na verdade, tenho uma sugestão: só serão aceitos animais com menos de 40 cm, de altura!” A platéia ficou em silêncio e algumas vozes se fizeram ouvir:-“ E isto aí!” –“ É isto aí! “... Logo a maioria concordou, pois quase todos os cães eram de míni estatura e poucos eram os maiores.
Levantei-me e pedi educadamente a palavra, que me foi concedida imediatamente (notei que quem não fala nada, tem a preferência, talvez por curiosidade geral); -“Boa noite, gostaria de avisar que tenho em casa uma jararaca de estimação, e que a mesma tem menos de 40 cm de altura...” concluí com seriedade e falsidade. No que a síndica retrucou:-“ Na verdade, não tem problema, tendo menos de 40 cm, tudo beleza!”. O que foi acompanhada pela turba, agora feliz: -“Pode! Pode! Pode!...”.
A Senhora Síndica, pediu a palavra: - Na verdade, não mais havendo o que discutir, dou por encerrada a presente reunião deste condomínio! Convido aos condôminos ao nosso lanche. Obrigado e boa noite. ”Dito isto a horda atirou-se vorazmente à mesa, nos fundos. Tamanha era a quantidade de salgados, que reparei que alguns (nem todos!) carregavam bolsas para levar para casa... Uma voz sussurrou-me ao pé do ouvido:-“ Dona Floraalma, aceita um croquete? Na verdade, não está quentinho, mas é fresquinho...”.
Após inúmeros esbarrões, saí daquele local o mais rápido que pude.

Uma semana depois, um caminhão de mudanças tirou-me de Vonsekah-Sur- les-Alpes.

f.a.

11 comentários:

  1. Não consegui enxugar um texto que coubesse nos míseros 4.096 caracteres, e estou mandando o comentário em anexo de e-mail.
    Saudades do
    Marcos Marcio Mário

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  2. Querido Marcos Marcio Mário:
    Não é um simples comentário. É uma jóia literária, que esta escriba não merece, tamanha beleza!
    Obrigado.
    Sempre sua ,
    f.a.

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  3. Genial, eu a descrição do meu prédio, com estas intrigas e confusões altamente producentes.

    É impressionante como a gente vive numa paranóia sem fim, apinhados em cubículos e dando imenso valor ao big brother que é acompanhar a vida do vizinho. Acontece comigo direto.

    Mau planejamento urbano leva as pessoas a neurose, além de tudo.

    Grande abraço.

    Léo Giordano

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  4. Querido L. Giordano: Obrigada.Evidente que a arte imita a vida e vice-versa.Como observadora da vida e pinceladas de ficção vamos retratando...Ao meu humilde olhar, trata-se de herança cultural ao longo dos séculos:"...somos oque nos ensinaram a ser..."
    Já se aventurou nas outra postagens? Comente.
    Abraçosaudosos,
    sua admiradora,
    f.a.

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  5. Flora Alma,
    Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Faltou a linguiça tomando banho na piscina.
    Adoramos.
    J Luiz e Ophelia

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  6. Queridos leitores J Luiz e Ophelia:
    O prédio, infelizmente ou felizmente não possuia piscina, daí não poder descrever as características da citada linguiça.
    Obrigada pelo gentil comentário.
    Aguardo outros.
    bjs. em vossos corações.
    f.a.

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  7. Muuuuuuuuuuuuuuuuuuu

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  8. Adorei... tb moro em prédio e as historias são sempre as mesmas só muda de endereço.
    Bravo!Flora vc é genial. Suas palavras a forma com que vc descreve cada paragrafo detalhadamente... nossa fantastico.
    Ja pensou em escrever um livro?
    Bjos Gabi PN =)

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  9. Amada GabiPN:
    Pois é . É cultural a "coisa".
    Gentis palavras, que não mereço...
    Já. Quem sabe?...
    bjsaudosos.
    sua,
    f.a.

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  10. Flora minha alma. Meu condomínio é finíssimo. Pouco vejo as pessoas. Corredores ? Não os tenho. Minha cobertura tem entrada independente.Minha loiríssima Kim Loreal, reclama:-Preciso ver pessoas. Posso mandá-la para a reunião do seu condomínio ? Meu motorista leva e trás e ainda serve uma champanhota para os convivas. Michael Cane

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  11. Querido M. Caine:
    Sorte sua não ver humanos/desumanos. Não habito mais aquele Condomínio.
    Porém quando tia Vyborah, der uma nova reunião( leia VALORES FEMININOS E BELOS E BELAS!), com certeza chamo a louríssima Kim Loreal e deixe que o motorista havaiano de tia Vyborah irá busca-la e traze-la sã e salva.
    A champanhota será bem vinda!
    Obrigada.
    sua,
    f.a.

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