terça-feira, 1 de setembro de 2009

ASSASSINATOS URBANOS



Humanos/desumanos:

Resolvi executar os serviços, que a minha fiel criadagem faz, por um dia. Como experiência, para quem sabe, testar-me. Foi uma insólita e nada romântica aventura.
De manhã, saí às ruas com o meu casal de lulus da Pomerânia, para apanhar sol e satisfazer suas necessidades fisiológicas. Pequei um saco plástico para o devido recolhimento. E, qual não foi a minha surpresa, quando olhei, esbarrei e pisei naquelas de outros canídeos domesticados. Apoei-me numa árvore, próxima e vi que daquela frondosa sombra, restava somente um pedaço de um tronco, um toco. As outras estavam, também, neste estado. Precisei fazer malabarismos, de modo circense, para que não pisasse em outras ditas cujas, que decoravam o passeio.Fui aplaudida (por anônimos passantes) pelas piruetas, para fugir daquelas "imundices", que quase me candidatei para trabalhar no Cirque du Soleil... Foi um esforço a retirada das “sujeiras” da sola de meu sapato italiano, o pé esquerdo.
Passei pela banca de jornais e li rapidamente. Um sábio vizinho diz que-”... se ler com profundidade as notícias, tem o perigo de enlouquecer...” Segui seu prudente conselho: só li os tristes e nefastos títulos...
Após o passeio, e a guarda dos lulus, resolvi enfrentar o mercado, para comprar víveres.
Fiz as compras, felizmente em dia de semana, pois no final da mesma, a minha governanta Goldawasser, disse que é infernal! –“Um convite à demência!...”, segundo suas próprias palavras. Bem, depois de comprar o necessário e não sei se foi o suficiente e ter recebido uma topada no calcanhar direito, de um distraído, dirigi-me ao caixa. À minha frente um carrinho, segurando à fila, quase cheio, estacionava, sem dono... Ficamos aguardando e momento depois apareceu um senhor que, talvez pensando alto, dizia:- “ter esquecido de comprar cebolas”... E, súbito, retorna, deixando o carrinho:- “...esqueci do queijo...”oque provocou uma natural reação da fila:-“Assim não é possível, o Sr. está brincando”... E, seu carrinho foi retirado da civilizada fila. Após um bom tempo, cheguei ao caixa. Esta, era mulher e não estava com bom humor. Dei-lhe bom dia e respondeu-me com um simples aceno de cabeça, colocando as compras de maneira brusca nos sacos.
Passei no banco e a fila estava tremenda, e eu não estava aparelhada para tal (cabana, farnel, revistas, charutos, etc.etc.) o que me fez desistir.
Na volta, resolvi caminhar para tomar um ar fresco, mas a poluição ambiental ajudou-me a procurar um táxi refrigerado. Estava difícil. Como difícil era ultrapassar os carros com as quatro rodas na calçada... Procurei um restaurante e só encontrei aqueles que serviam “comida à kilo” e observei as filas para os humanos/desumanos se auto servirem, e lembrei-me imediatamente do imortal Carlitos em Tempos Modernos... Desisti. São raros os restaurantes, que existem garçons discretos e profissionais, (nunca irão dizer:- “... o bife é feito, puxado na manteiga...”), toalhas e guardanapos de linho, honestos, limpos e silenciosos. Tentei entrar num ônibus e o som alto e de gosto duvidoso, aliado ao fato de possuir uma catraca, para entrada,equipamento medieval, nem para animais do que dizer para humanos... Abandonei esta opção de imediato.
Vislumbrei um táxi. Entrei e com o balanço do “asfalto”, o ar (gélido) condicionado e o cansaço, fizeram-me cair nos braços de Morfeu, instantes depois, pois o trânsito estava parado, face ao monstruoso engarrafamento. Chamou-me à atenção crianças pedintes nos sinais, fazendo malabarismo com limões e motoristas dirigindo e falando ao celular, ao mesmo tempo.
Acordei com o som estridente de um carro de som, fazendo propaganda política para candidatos em minha cidade.
Sorri ironicamente...
Meu mordomo javanês abriu felizmente a porta de minha mansão, segurando gentilmente as compras.
Mandei preparar um banho na minha banheira térmica semi-olímpica com sais indianos, para a minha recuperação física e mental.

f.a.

15 comentários:

  1. Flora vc é maravilhosa... esse seu dom para escrever as palavras que usa o seu português... nossa, me anima cada vez mais a ler suas historias...

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  2. Querida Gabi:

    Estes seus comentários, generosos( até demais, me animam a continuar.
    grata,
    sempre sua;
    f.a.

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  3. Prezada Flora, ouso pedir venia para desqualificar o vizinho a quem você gentilmente chamou de "sábio". Isto porque qualquer vivente já sabe que as manchetes são prejudiciais à saúde... No mais, resta-nos sorrir constrangidos ao perceber que os aspectos ficcionais _ que com a propriedade usual foram abordados neste post _ se aproximam tanto de nossa realidade cotidiana. Um dia ainda seremos apenas Humanos. Não mais Humanos/Desumanos.
    Força.

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  4. Prezado Anônimo (vizinho):
    A dita normalidade fica por um fio de cabelo da dita loucura...
    Fico feliz pela esperança de um dia sermos mais humanos e menos desumanos e pelos seus sábios( não abro mão!)comentários.
    Grato.
    f.a.

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  5. tanta sensibilidade nunca poderia se perder pelas ruas imundas dessa cidade...

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  6. Querida Suely;
    Generosas palavras da amiga, dão-me forças para continuar.Leu todas? Aguardo seus preciosos comentários.
    Bjs.
    sempre sua,
    f.a.

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  7. Prezada Flora Alma. Devo adimitir que voce é uma mulher moderna, com seus charutos...Entretanto, enfrente com mais otimismo as vissicitudes da vida. Afinal,Goldawassar sabe que todo humano é bom porque é demasiado.

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  8. Cara(o)Anônimo:
    Agradeço as gentis palavras. Aliás , otimismo é que não me falta(embora o descanso eterno, em certas ocasiões, seja um alívio de mau gôsto...)pelas tais vicissitudes.
    Mas, a vida é bela!
    Quanto a"todo humano é bom porque é demasiado"( Goldawassar), solicito a(o)fiel leitora(o)maiores esclarecimentos a este crasso escriba.
    sempre sua,
    f.a.

    PS.: Nos próximos comentários,por favor, identifique-se( qq. nome/ou o seu primeiro nome), para que eu possa saber o sexo.Obrigado.Volte sempre. É um prazer e um privilégio ser comentado por vc.
    Bjs. Sempre sua,
    f.a.

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  9. Esclarecerei em breve...Voce tem toda razão,até porque vissicitudes é de um extremo mau gosto, em relação à vicissitudes.Obrigada.

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  10. Floraalma vç viveu um dia normal de pessoas que hoje vivem nas grandes cidades e a sua está se tornando uma delas.
    A exadidão das descrições só teve uma falha quando vç diz: "...retirada da sujeira da sola do sapato italiano, o pé esquerdo..." Na verdade, pela sua foto, trata-se do pé direito! De qualquer forma parabenizo pelo texto e sensibilidade de percepção de fatos corriqueiros que por serem simples, dão a verdadeira conotação existencial do nosso dia a dia no planeta terra.

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  11. Querido amigo leitor R.K.:
    Agradeço, mas a photo não é minha e sim da vizinha Edycleidemerdyenne,que teve o seu sapato ( dela!) premiado...quando do meu passeio matinal.Não sei( acho que não) estes "fatos corriqueiros"( como diz vc.)acontecem em paises do 1 mundo...
    Gentis palavras as suas últimas.Grata.
    Sempre sua ,
    f.a.

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  12. Deescreveu perfeitamente o dia a dia de uma pessoa "normal" , se é que existe isso nos dias de hoje

    Forte abraço e continue escrevendo

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  13. Assíduo leitor Alvaro:
    Grata. Normal nunca existiu, natural é melhor, acho.
    abs.
    sua,
    f.a.

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