
Incontáveis leitores me abordam na rua, onde faço inúmeras ações: compras de víveres, pagamento de impostos, que não vemos nenhum retorno, (“-aonde vão estes impostos?” perguntou-me um dia minha governanta Goldawasser, (eu não soube responder...), fazendo ouvidos de mouco. Enfrentar filas de banco para outros pagamentos e aí a quantidade de fãs é enorme (outro dia levei barraca, farnel, água, coxinhas de frango, bolo e foi uma festa!...), caminhadas pela orla do Atlântico ao crepúsculo, ida ao campo de Teixeira de Castro ver o querido rubro anil Bonsucesso treinar, etc.etc.
E, a pergunta é sempre a mesma: Flora Alma, quando foi a primeira vez?
Tentei disfarçar, mas o assédio era tanto, que numa dessas vezes, ao ficar na fila a noite toda, para pegar o número para uma consulta médico-ginecológica, e levando a minha barraca tailandesa (ar condicionado, cama redonda espelhada, closet e W.C. com peças em matizes rosa), frigo-bar cheio de bebidas russas finas, baguettes e queijos franceses. Fruits de la saison, café colombiano, charutos cubanos, etc., etc. Não teve jeito e maneira, mesmo porque a multidão que se formava para ouvir-me, já era maior do que a fila propriamente dita...
Sentei na minha longchaise canadense, acendi um caribenho (autografado por Fidel), olhei as estrelas que piscavam/brilhavam no firmamento e sob a pressão do CONTA!! CONTA!! Inspirei/ respirei fundo (como me ensinou minha terapeuta húngara), tomei coragem e confessei:
“-Eu era uma jovem sem viço, fraca, muito branca, triste. Não me cuidava. Tirava boas notas na escola, era comportada, boa filha, educada. Mas, o que me adiantava estas qualidades, se não era bonita e não tinha namorado?”
O silêncio era sepulcral, os grilos e sapos faziam uma serenata infernal. A atenção do enorme público era comovente.
“Aí, resolvi ir a uma vidente, que todos diziam, iria resolver os meus problemas sentimentais. Todas as minhas colegas (eu não tinha amigas) foram. Todas me aconselharam. O mesmo dizia minha confidente tia Vyborah, miss Sirilanka de 1929. Fui.
Tomei um banho de espuma, por 2 horas na banheira turca de casa, perfumei-me com almíscar indiano, tapas delicados com pó-de-arroz da Manchúria, penteei meus cabelos desgrenhados com pente de osso do Quênia, vesti-me com aquele vestido rosa de noite de debutantes, o qual fui ao casamento de uma tia solteirona convicta, tia Bella Mambah, que se casou aos 89 anos. Eu não usava porta seios, embora firmes, eram pequenos demais.
Era uma simpática e sombreada casa branca de 2 andares no subúrbio. Jardins bem cuidados na entrada, que dava para se ver da calçada. Apertei a campainha e lá de dentro escutei a nona sinfonia de Beethoven. Uma distinta senhora de olhos azuis veio ao portão com um leve sotaque familiar, perguntou-me:-“ Allmaflorra"?... - Não, respondi, delicadamente: Flora Alma! “Ah sim... Tenha o bondade de entrarr “... Madame Natacha, o vidente, vai lhe atenderr...” Fique o vontade. “E, se retirou para o interior da casa que notei era grande e de muito bom gosto”. Dentro da casa um ambiente de silêncio, penumbra e frescor caracterizavam o ambiente.
Súbito uma belíssima mulher, parecendo uma miragem flutuante, surge do nada. Alta, elegante, em sua cabeça um turbante dourado, olhos verdes amendoados, lábios carnudos, dentes alvos e certos como uma espiga de milho, pescoço longo e tentador, uma blusa da mesma cor do turbante onde dois grandes punhais apontavam para o firmamento. Vestia calças brancas, colantes e notava-se o contorno de suas grandes e firmes coxas, usava salto alto e seus pés e suas brancas e bem cuidadas mãos... Eram verdadeiros fetiches.
Caminhou firme em minha direção e com uma voz aveludada e cálida, murmurou: - "Vamos entrar Flora Alma..." Confesso que quase desmaiei.
Em seu reservado e bem decorado quarto de consultas à meia-luz, um delicioso e delicado incenso ardia. Pediu-me com quase ternura para sentar e acomodou-se em uma poltrona de couro cru. Sua presença era tão marcante que eu não conseguia respirar.
- "Mas, então o que lhe aflige? Perguntou suavemente, com aqueles divinos olhos. Expliquei-lhe, todo meu sofrimento existencial-amoroso, olhando na maior parte do tempo para o chão. Era difícil encarar tanta formosura. Ela acompanhou o meu relato com um interesse invulgar, o que fez que nossos olhos se encontrassem. Estremeci.”
A noite já ia longe e a multidão ouvia-me num silêncio religioso.
Continuei: “Após o meu sofrido relato, Madame Natacha olhou-me fixamente. Levantou-se, parecia uma gazela ao se movimentar e, sem retirar aqueles grandes olhos de minha pessoa aproximou-se, lentamente. De sua face, uma lágrima teimou em descobrir o caminho de seu rosto angelical. Abraçou-me. Senti o seu corpo. E, súbito segurou o meu rosto em suas perfumadas mãos e me beijou. A princípio com carinho e depois sofreguidamente. O que respondi igual, é claro.
Mas a dúvida de fazer amor com uma mulher se dissipou rapidamente. Ao retirarmos a enorme quantidade de roupa numa febril agitação, vi que aquele esplendoroso corpo de mulher, tinha... a principal característica... de um homem... entre suas pernas!!..
Mas não pense a distinta platéia que me ouve até agora, que desisti de fazer amor, com aquele pedaço de "homem"... Fizemos de tudo um pouco. Tudo. Foi maravilhoso!Um marco em minha vida. Apaixonei-me perdidamente. Contou a sua vida toda. Ele (a) se chamava Ygor e preferia ser Natacha, disse-me carinhosamente.
Não vou contar aqui detalhes, para que não me chamem de "pornográfica", muito embora esteja certa, que sexo é normal (detesto esta palavra!), natural, humano, e pornográfico é criança passando fome, é repressão á liberdade, é esta hipocrisia que numa mesa de jantar pode-se relatar, com estranho prazer:- ..."o filho do 1004, bloco T do prédio, esquartejou a mãe e suicidou-se...” e todos ávidos por detalhes e pelo final da trágica história..., mas sexo não:" é pornográfico! "Dizem os puritanos de plantão, muitos destes foram incendiários e agora são bombeiros...
Recebi da atenta platéia algumas palmas... Agradeci comovida e continuei a narrativa: “Despedimo-nos apaixonadamente.
Nunca mais o (a) vi, pois na próxima sessão a bondosa senhora de olhos azuis, contou que naquela mesma noite, Madame Natacha (para mim Ygor) arrumou os seus pertences e tinha voltado para sua terra natal, aonde ia se apresentar ao balé de Bolshoi. Ganhou uma bolsa de estudos. Não, não chorei. Desejei a Ygor (Natacha) toda felicidade do mundo!
Depois do ocorrido fiquei mais bonita, muito bonita: pele macia, cabelos sedosos, lábios sensuais, cintura fina, ancas largas, coxas roliças.. As colegas se aproximaram. Tive inúmeras paixões e passei a usar porta seios tamanho G.
É isso meus amigos: a primeira vez foi inesquecível!!”.
Os primeiros raios de sol apareceram e a sofredora fila postou-se como gado que vai para o matadouro e eu liderando a dita cuja.
f.a.