quinta-feira, 7 de maio de 2009

Silêncio, frio e escuridão.

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(Na photo, tio Leibowyczwy, num passeio dominical na baía de Guanabara, em Charitas).

Humanos/Desumanos:

Como sabem , tenho minhas origens lá pelos lados e cantos da Transilvânia. E, um belo dia do nosso fraco inverno, numa destas sextas feiras, ao crepúsculo, recebo a visita do tio Leibowyczwy. Não, não foi de surpresa. “-” Há séculos, venho lhe avisando, Flora Alma, que estaria aqui hoje, nesta data, nesta hora “... disse solenemente.
O recebi com o maior carinho e respeito, pois ele merece. Irmão do meio, num total de dez, de minha pranteada e saudosa mãe. Veio com pouca roupa, em sua pequena mala, estranhando o calor, abaixo da linha do Equador. Não quis ficar hospedado aqui em casa, desculpando-se, educadamente, pois se trata de um nobre (em decadência, mas um nobre), preferindo, segundo ele as instalações de um catre, na favela do Rato Molhado. Não perguntei como veio e se fez boa viagem, por delicadeza. Tio Leibowyczwy tem aversão às perguntas... Fala pouco e diz tudo.... Só me fez uma recomendação: que não o procurasse de dia, falasse pouco e não se preocupasse com ele, pois estava muito bem acomodado e não lhe faltaria nada. Ele falava baixo, suavemente e sem nenhum sotaque: um português mais que escorreito, perfeito!
Conhecedor profundo dos hábitos de nossa família, procurei atender, da melhor maneira possível, tão distinta pessoa.
Nos víamos, quase toda noite. Quase porque ele me confidenciou, num tom baixo, sempre baixo, que tinha as suas necessidades. E só poderia faze-las sozinho. Isto eu percebi quando numa dessas noites escuras, sem luar e estrelas, tio Leibowyczwy tinha um líquido vermelho em seus quase transparentes lábios e discretamente o sorvia rapidamente, tal qual uma serpente com sua pontuda e fina língua... Nestas ocasiões seus azulados olhos, se avermelhavam levemente...
Em outro ensejo, reapareceu calmo, sereno. Flanando até. Dizendo-me que tinha ido ao cemitério do bairro, numa noite de lua cheia, para namorar... Balbuciou levemente: ...-" foi uma orgia magnífica!...”Não perguntei nada, é claro.
Tio Leibowyczwy aconselhou-me a não mais ler jornal, não saber de notícias oficiais, não acreditar em políticos, não discutir sobre futebol e religião. Ele dizia que são questões menores que os humanos teimam em falar/discutir e que é uma preciosa perda de tempo, já que, segundo ele, para os humanos a vida é muito curta... disse-me em poucas palavras. Aconselhou-me a comer muito rabanete e bertalha (não disse o porquê e nem perguntei), tratar sempre bem uma mulher e sair de fininho e rápido de qualquer confusão, e acrescentava: ...''-queira bem ao próximo, como a ti mesmo..." "-... seja solidário com os humildes...”
Trajava sempre o mesmo vestuário. Um espectro ambulante.Foi visto por poucos humanos/desumanos, e estes, acreditavam ser uma peça publicitária, ensaio de alguma fantasia para o próximo Carnaval, propaganda de algum político para as eleições... e também dada a hora que se locomovia... Uma oportunidade, um gato em cima do muro, deu de frente com titio e desesperado atirou-se ao mar, aqui em Charitas, afogando-se, de propósito. Quando da sua passagem, ao me visitar, os cães da vizinhança ganiam, ficavam desesperados e rapidamente se escondiam. Os únicos animais, que se alegravam com a sua presença eram os urubus que voavam em círculos nos céus, alegremente, e os camundongos daqui de casa, que o seguiam,saltitantes, onde quer que ele fosse como pude constatar. Ainda bem, que pedi a minha governanta Goldawasser, moradora em Tanguá, que ficasse com Gomulka e Beria,o meu casal de periquitos australianos.
Na última noite ele me disse, solene, como que me dando a chave da felicidade: "Flora alma, existem três coisas boas na vida:-" O silêncio, o frio e a escuridão. "
Realmente, tenho pensado nisto e concordo plenamente com o sábio tio: Quer coisa mais irritante que uma voz esganiçada, um som alto arrebentando os tímpanos e de gosto duvidoso? Quer coisa mais terrível que um calor senegalês fritando o seu corpo? Quer coisa mais incomoda que uma luminosidade a lhe fechar os olhos?... Para ele: " a soma destas três era a paz!...”Dizia com uma ternura vampiresca, enquanto andava em círculos pela sala, parecendo flutuar.
Ele passou 25 dias aqui, em nossa cidade. Só o vi e escutei os seus judiciosos conselhos, em 13 noites.
Partiu, assim como chegou,sem deixar vestígios.
Deixou-me uma simpática carta de agradecimento, dizendo que voltará em breve, etc.etc. carta esta em cujo determinado trecho final, fiquei intrigada: ...'' daqui a nove meses, ganharás alguns priminhos...”

f.a.

6 comentários:

  1. Flora Alma, não se preocupe: o silêncio, o frio e a escuridão nos esperam na virada da esquina.

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  2. Também acho, por isso já me adianto a este deleite.
    abs. Anônimo sem assinatura.
    f.a.

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  3. Fiel leitora Gabi:
    que bom gosto!!...
    sua,
    f.a.

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  4. Inquietações,
    assim como perguntas
    povoam minha alma
    e meus pensamentos.
    À minha frente,
    inúmeros pontos
    de interrogação.
    Reflito e não encontro
    as desejadas respostas.
    Tristezas... Inquietações...
    Mudanças e verdades
    que não chegam.
    Volto no tempo
    e percorro caminhos,
    a fim de localizar erros;
    encontro alguns já reparados;
    outros, não.
    Sou solidão, Sou Tristeza?
    Fico em silencio,
    sinto o frio
    entro na oscuridao.

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  5. Minha querida, inquieta e poetisa vilmaqui:

    A dúvida e a constante incerteza é que dá gôsto à vida.
    Bela e sensível poesia.Parabéns!
    Sua,
    f.a.

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